“É tarefa das ciências naturais explicar como a árvore da vida em particular continua a crescer e dar origem a novos ramos. Isso não é assunto para a fé. Mas precisamos ter a ousadia de dizer que os grandes projetos da criação viva não são produtos do acaso, da tentativa e erro (...) eles apontam para uma Razão criadora e nos mostram uma Inteligência criadora, e o fazem hoje, mais que nunca, de forma mais luminosa e radiante (...) os seres humanos não são um engano, mas algo desejado; são fruto do amor (...) Sim, Pai, Tu me quiseste.”

Na última homilia, “Pecado e salvação”, Ratzinger também não se interessa por questões como monogenismo ou poligenismo, que fazem a festa (e a angústia) de quem se dedica ao diálogo entre ciência e religião, criação e evolução. O objetivo do arcebispo é denunciar a completa perda do sentido de pecado na sociedade contemporânea, que o substituiu pelo relativismo moral no qual o que é bom hoje pode não sê-lo amanhã, e vice-versa – ou, talvez ainda pior, no qual o critério é o agente: bem é o que eu e os meus fazemos, e mal é o que os outros fazem.

“É tarefa das ciências naturais explicar como a árvore da vida em particular continua a crescer e dar origem a novos ramos. Isso não é assunto para a fé. Mas precisamos ter a ousadia de dizer que os grandes projetos da criação viva não são produtos do acaso, da tentativa e erro.”

Joseph Ratzinger, na homilia "A criação do ser humano", parte do livro "In the Beginning..."

Ao lembrar o diálogo entre a serpente e Eva, Ratzinger explica que o demônio não faz o ser humano duvidar de Deus, mas da aliança que Ele estabeleceu com o homem; a aliança deixa de ser vista como um presente para ser considerada uma limitação à liberdade humana (aqui, Ratzinger retoma a crítica ao might makes right). “Os seres humanos não querem ser criaturas, não querem estar sujeitos a um padrão [de certo e errado, bem e mal], não querem ser dependentes de Deus”, afirma. Eis a origem do pecado original, e Ratzinger explica por que toda a humanidade sofre as consequências daquela rebeldia inicial: não fomos nós que a cometemos, mas ela nos diz respeito de maneira direta: “quando eu destruo um relacionamento, então este evento – o pecado – atinge a outra pessoa envolvida no relacionamento (...) no momento em que cada um inicia sua existência, o que é bom, ele se depara com um mundo danificado pelo pecado. Cada um de nós entra em uma situação na qual a capacidade de se relacionar está fraturada”. Apenas Cristo pode consertar esse estrago, e só aceitando o amor divino podemos recuperar a liberdade que consiste em depender de Deus.

Em 1989, discursando em um encontro das comissões doutrinais das conferências episcopais europeias, Ratzinger citou o “quase total desaparecimento da doutrina da criação na teologia” como um problema grave a enfrentar. O cardeal falou do “profundo desespero da humanidade atual, escondido sob uma fachada oficial de otimismo”, e de uma “silenciosa esperança de que um cristianismo renovado possa oferecer uma alternativa” a esse desespero. Mas isso só aconteceria se “o ensinamento sobre a criação for novamente desenvolvido. Tal tarefa, portanto, deveria ser tratada como uma das mais prementes missões da teologia hoje”. Humilde como só ele, Ratzinger só não disse que um certo arcebispo alemão, oito anos antes, fazendo homilias em sua catedral, já tinha assumido esse trabalho e mostrado o caminho a seguir.