Em países grandes ou pequenos, pobres ou desenvolvidos, republicanos ou parlamentaristas, pessoas voltaram a ser perseguidas, bloqueadas, censuradas, desmonetizadas, exiladas e presas apenas pelo crime inexistente de expressar sua opinião ou descrever a realidade como ela é.
Nada disso tinha acontecido ainda quando conversei com Larry, o jornalista americano, muitos anos atrás, em uma tarde de outono, em um restaurante em frente ao mar do Aterro do Flamengo. Larry me falou de seu trabalho e das viagens que fizera aos países da Cortina de Ferro, aqueles países do leste europeu que foram subjugados e dominados pela tirania soviética e pelos tanques do Exército Vermelho.
Hoje nos surpreendemos com a ingenuidade desse pensamento.
Nunca esqueci uma história em particular. Ela se ou na Polônia, na época em que o país era dominado pela ditadura comunista do general Jaruzelski. Larry visitava a Polônia para fazer contato com os grupos clandestinos que formavam a resistência, e que tentavam manter viva a ideia da liberdade que viria um dia, embora ninguém soubesse como ou quando.
Um desses grupos era formado apenas por um casal, marido e mulher. A tarefa deles era operar uma estação de rádio clandestina. Era uma tarefa arriscada. O governo tinha detectores que rastreavam a origem das transmissões; por isso eles nunca podiam transmitir por muito tempo do mesmo lugar. O casal chegava em um local, montava o equipamento, transmitia por alguns minutos e precisava desligar o transmissor, desmontar tudo e ir embora antes que a polícia política chegasse.
O Estado tirânico ressurgiu para proteger a democracia. Tudo para seu bem.
Como todos os ativistas clandestinos, o casal vivia a incerteza, a angústia e o medo de quem enfrenta um mecanismo do mal, muito maior e poderoso. Tudo ficava mais difícil porque, sob a mão de ferro comunista, que a todos silenciava, era impossível saber se as transmissões da rádio rebelde, feitas com tanto risco, eram ouvidas por alguém.
Em um dia de inverno, próximo do Natal, o casal transmitia do apartamento de uma família quando a angústia atingiu seu limite e transbordou em desespero. Sem que tivesse planejado, sem conseguir conter a sensação que lhe subia pelo peito, a mulher disse no microfone do rádio: “Se alguém estiver ouvindo essa transmissão, nos dê um sinal. Se você me escuta, acenda e apague a luz de sua casa”.
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Depois desligou o aparelho e olhou para o marido, assustada com o que tinha feito e com a própria imprudência. Cansados, apoiando-se um no outro, o casal desmontou o equipamento e se despediu da família que os havia abrigado.
Era hora de enfrentar o frio e o medo. Estaria a polícia esperando por eles lá embaixo? Foi com esses pensamentos que o homem se encaminhou para a porta.
Mas ele foi detido pela mulher, que segurou seu braço. Gentilmente, ela o puxou para perto da janela. Lá fora, na noite escura e fria da Polônia comunista, as luzes de milhares de apartamentos estavam sendo acesas e apagadas, repetidamente.