Eu não gosto. Nunca gostei. E tenho pena, não raiva, de quem gosta. Digo, depende do argumento que o folião usa. Se ele diz, por exemplo, que carnaval é uma expressão importante da cultura popular, sinto primeiro raiva e, só depois de uns dois dias, pena. É quando já perdi o ímpeto de responder que o carnaval está para a cultura popular assim como Lula está para a classe trabalhadora. 566p16
Um dia, talvez, essas associações tenham feito sentido. Você, por exemplo, escuta sambistas de cabelos brancos contanto dos “carnavais d’antanho”, cheios de inocência e gente cheirando lança-perfume, e logo lhe vem à mente uma marchinha politicamente incorreta, bem como a moral prontamente restabelecida na Quarta-feira de Cinzas.
Hoje não. Hoje carnaval é desfile de escola de samba com enredo ideológico. É orgia ao ar livre. É música ruim. É como diz meu amigo Felipe, que prefere ficar anônimo: há o carnaval teórico, histórico, nostálgico (e, desconfio, um tiquinho fantasioso). Esse é possível irar. Já o carnaval-de-verdade é só gente bêbada rebolando vulgarmente ao som de um interminável tuntitum. Desse não há como gostar. Nem teoricamente.
Mais raiva ainda (também substituída pela pena depois de três ou quatro dias) tenho de quem pergunta: quem é você para não gostar de carnaval? O Dom Pedro II gostava. O Gilberto Freyre gostava. O Nelson Rodrigues gostava. O Chacrinha gostava. O É O Tchan gostava. A Preta Gil gostava. A Anitta gostava. E se você percebeu certa decadência na sequência das frases, eis aí meu contra-argumento.
Pena-pena eu sinto é de quem se esforça para ficar alegre no carnaval. Quem se submete voluntariamente a essa obrigação e seus penduricalhos. A obrigação de estar eufórico. A obrigação de estar bêbado. A obrigação de querer, como direi sem ser chulo?, fornicar. A obrigação de ar os mais abomináveis perrengues para depois dizer: “vocês não acreditam no que eu ei no carnaval de 2023!”.
O que não quer dizer que o carnaval deva ser banido ou proibido. Somente desencorajado. Sutilmente. Até que um dia a maioria das pessoas se dê conta do erro que é dedicar quatro dias do ano para celebrar o que é mundano. Por mais “cultural” que isso seja. Por mais que Dom Pedro II gostasse. Por mais difícil que seja resistir à pressão do folião que te puxa pela manga da camisa e diz: "Vamos para o bloquinho! Deixa de ser chato!".