Desde 1980, a renda per capita do Brasil cresceu apenas 0,88% ao ano, em média, segundo dados do Banco Mundial. Ao invés de convergir para o nível de desenvolvimento dos países-ricos, como seria esperado para uma economia emergente, nos distanciamos deles. Ainda há pobreza abjeta no Brasil, os serviços públicos não funcionam, inocentes morrem violentamente às dezenas de milhares, e crianças bebem água com cocô.

A solvência do Estado é crucial para a redução estrutural da taxa de juros, que permite maior crescimento por alguns anos. Mas o que o governo costuma prometer, usando palavras de Tarcísio de Freitas, é “garantir que esta não será uma geração perdida”. Os problemas de longo prazo da economia brasileira são muito mais profundos.

Se tudo ocorrer como planejado, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro devem entrar nesta terça no Congresso Nacional com um robusto conjunto de medidas que alteram o modo como o dinheiro público é gasto e arrecadado, assim como a gestão pública de recursos humano. É provável que, neste momento, algumas pessoas estejam no Ministério da Economia finalizando os textos. Escrever na segunda sobre algo que o governo pretende entregar na terça abre certa margem para erros, que vale a pena dada a importância do assunto e o que já foi anunciado.

Os projetos que serão entregues por Paulo Guedes nesta terça-feira são, em essência, reformas do Estado. Formam um primeiro o de uma agenda reformista que as instituições nacionais precisam sustentar por décadas, em diversos governos, caso queiram cumprir as expectativas da população.

A direção é boa. Ainda melhor porque o diretor geral, o ministro da economia, parece disposto a dialogar com os outros poderes. Em entrevista à Folha de São Paulo, Guedes disse que “houve uma mudança na articulação, se instalou uma vontade de construir, veio espaço político para conversar”. O ministro sempre teve muitas vagas ideias sobre o assunto. Agora, apareceram duas novidades: concretude e pragmatismo.

Um dos sinais está na proposta de desvinculação dos gastos com saúde e educação. Hoje, todos os entes federativos precisam gastar certo percentual da receita corrente líquida nessas áreas. Em geral, vincula-se 25% a educação e 15% a saúde.

Num país continental, os municípios tem estruturas etárias muito distintas. Uns tem muitos jovens e podem querer gastar mais em educação. Outros, com mais idosos, podem preferir a saúde.

Anteriormente, Guedes falava em eliminar essas vinculações. Ou “ devolver o poder de gestão aos políticos”, como ele prefere colocar. A rigidez orçamentária dificulta a situação fiscal calamitosa dos estados e municípios. Vendo que a proposta dificilmente aria, recuou encontrando um bom meio termo: somar as duas vinculações e dar ao gestor a capacidade de escolher entre saúde e educação.

Muitas medidas devem vir nesta mesma linha, diminuindo a rigidez e as vinculações do orçamento. A extinção de fundos públicos está na agenda de Guedes. Em substituição as mais de 280 atualmente existentes, o ministro quer liberar essa verba e concentrar esforços em dois novos fundos: o Fundo de Reconstrução Nacional deve cuidar da infraestrutura; outro, de nome não divulgado, deve focar no combate a pobreza.

Outro pilar, chamado de Plano Mansueto, trata da saúde financeira de estados e municípios. Politicamente, é o mais sensível. Os últimos anos escancararam os incentivos tortos aos quais governadores e prefeitos estão submetidos. Haverá demanda, portanto, por um “trem da alegria”, um pacote de bondades. É crucial que, nos próximos meses, toda transferência de recursos federais aos entes subnacionais esteja vinculada a reformas que não permitam uma nova onda de irresponsabilidade fiscal. A reforma só será positiva se não for usada para aumentar gastos obrigatórios, especialmente a já inchada folha de servidores.

O Plano Mansueto serve para a contenção de emergências. Na reforma istrativa, que rege a gestão de RH do Estado brasileiro, está a grande esperança no longo prazo dos estados e municípios. Afinal, quase 90% dos servidores públicos estão fora da esfera federal.

O fim da estabilidade para novos funcionários deve entrar em pauta. Ainda não está claro qual será a governança do novo regime jurídico dos servidores. É importante que existam avaliadores independentes do processo político-partidário – esse é assunto de Estado, não de governo. De todo modo, são meritórias as iniciativas que tentem vincular progressão de carreira e remuneração à avaliação de desempenho.

Há ainda uma proposta de reforma tributária. Sigo insistindo, como já fiz noutras colunas, que aí reside um erro fatal da gestão Guedes: não ter abraçado a excelente PEC 45, formulada pelo economista Bernard Appy em parceria com juristas da FGV paulista. O ministro diz que a proposta é boa até demais, e por isso não a pelo Congresso. Rodrigo Maia e a maioria dos governadores, contrariando Guedes, já apoiam o projeto.

A PEC 45 é revolucionária, no bom sentido, por um motivo simples: todo bem ou serviço produzido no Brasil pagaria a mesma alíquota, acabando com as piores distorções do pior sistema tributário do planeta. Mostraria que o Brasil respeita um dos princípios de boa tributação mais citados pelos economistas: a neutralidade, que permite decisões de produção baseadas no mercado, e não na legislação tributária.

Não está claro até que ponto a reforma tributária de Guedes deriva de preferência técnica. Os maus argumentos sugerem que há política nessa postura incompreensível. Recentemente, ele defendeu a guerra fiscal do ICMS em seus moldes atuais e a adoção de uma super-MF.

A agenda é longa. Em política pública, o diabo está sempre nos detalhes. Dificilmente será minha última coluna sobre o assunto, que deve pautar a imprensa por muitos meses. Mas é excelente que esse debate tenha sido aberto.

Paulo Guedes gosta de provocar seus antecessores no cargo, que seriam “social democratas”. Liberal mesmo seria ele. Com a reforma da previdência, o ministro evitou a insolvência fiscal – mas, nesta tarefa, seus feitos são pequenos em comparação ao que fizeram “social democratas” os responsáveis pelo Plano Real e do tripé macroeconômico. Se Guedes quiser se diferenciar, como promete, precisa ter grande sucesso na aprovação desses projetos. Nesta semana, o ministro começa o período mais decisivo da sua gestão. Nas próximas, começaremos a descobrir o que estará nos livros de história.

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