Conceitualmente, a previsão de desincompatibilização está correta, já que busca impedir que o servidor, no uso do cargo, função ou emprego público, utilize a istração pública em benefício da sua própria campanha. A regra da desincompatibilização serve para evitar o abuso de poder econômico ou político durante as campanhas políticas, o que pode comprometer o resultados das eleições. Ninguém quer ver um candidato utilizando a estrutura e recursos dos pagadores de impostos, que deveriam ser usados exclusivamente para servir à sociedade.

Em regra, o prazo para desincompatibilização de servidores efetivos ou comissionados é de três meses. Porém, nos casos em que há função de chefia, o afastamento deve ocorrer com antecedência de seis meses do pleito. De novo, a desincompatibilização serve um propósito meritório. O problema é que, durante todo o período em que estiver afastado, o servidor público segue recebendo seu salário normalmente. Nenhum outro grupo de brasileiros recebe esse mesmo privilégio eleitoral.

Enquanto qualquer pessoa comum precisa economizar e se programar para participar de uma eleição, não tendo qualquer proteção legal para manter sua renda durante a campanha eleitoral, os servidores públicos têm uma vantagem desproporcional e um incentivo perverso para serem candidatos sem correr qualquer risco e sem necessidade de economizarem ou de se programarem financeiramente. O Estado garante seus pagamentos integrais. Isso gera uma consequência não prevista: alguns servidores usam esse período para tirar "férias", pois se afastam das suas atividades para serem candidatos, mas nem sequer fazem campanha.

Essa norma injusta, desigual e imoral vale para servidores públicos efetivos, dirigentes ou representantes de fundações públicas, autarquias, empresas estatais e instituições de ensino públicas. Só existe uma exceção: para servidores do Fisco, que devem se afastar sem remuneração por seis meses, desde que tenham a atribuição de fazer lançamentos, arrecadação ou fiscalização de tributos.

Recentemente, permitiram, inclusive, que promotores e procuradores se licenciassem com vencimentos integrais para se candidatarem. Entretanto, a candidatura eleitoral de juízes e promotores é vedada pela Constituição Federal. Esses grupos não podem exercer atividade político-partidária.

A perversidade e a distorção não terminam nas campanhas, elas apenas começam por lá. Eleitos com esses subsídios eleitorais, muitos servidores públicos assumem seus mandatos com o compromisso de aumentar salários, benefícios e privilégios das suas respectivas carreiras, grupos e corporações, sem qualquer regra de conflito de interesses. Isso viola os princípios da moralidade, igualdade e da eficiência.

Assim, os parlamentos, nas três esferas de governo, estão sendo dominados por corporações, e o interesse coletivo, do cidadão comum, acaba em segundo plano. Não é à toa que o Brasil é um dos países do mundo que mais gastam com funcionalismo público: gastamos 13% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto a União Europeia gasta, em média, 9,9% do PIB.

Todos os servidores de carreiras de Estado deveriam ter quarentena para disputar eleições. Além disso, nenhum servidor público deveria receber seus vencimentos quando escolhesse ser candidato e tivesse que se afastar do seu cargo ou função.

A candidatura é uma decisão de interesse pessoal; no máximo, de interesse partidário. Portanto, não há razão legítima para que esse projeto privado (pessoal ou partidário) seja subsidiado pelos pagadores de impostos. É uma distorção estrutural que viola o princípio básico da democracia, de que esse sistema é do povo, pelo povo, para o povo.

Nossa democracia está sendo transformada em um sistema dos servidores, pelos servidores e para os servidores. Se isso ocorrer, haverá uma grande inversão da origem e da legitimidade do poder. O poder deixará de ser emanado do povo e ará a ser emanado do Estado. Não podemos aceitar essas inversões. Precisamos acabar com essas distorções enquanto ainda existem parlamentares que não são servidores.

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