Se um partido político, que, inclusive, participou dos dois maiores esquemas de corrupção do Brasil (um deles foi o segundo maior do mundo), não perde sua liberdade ou direito de atuação por espalhar fake news contra seus opositores ativamente, por que uma emissora de rádio, com comentaristas de diferentes opiniões e jornalistas profissionais deveria ser cassada? Qual a régua para definir o que pode e o que não pode ser dito (já que a Constituição parece não ter mais importância)?

Advogado constitucionalista, professor e especialista em liberdade de expressão e direito digital, André Marsiglia analisou o processo do MPF contra a Jovem Pan. Esta foi sua conclusão: “Examinei o pedido de cancelamento de outorga feito pelo MPF e não há como entendê-lo técnico, correto ou razoável juridicamente. Ele se baseia, em essência, na opinião de comentaristas da emissora”. O especialista segue a explicação adiante. “Tenho insistido que opinião não pode ser classificada como desinformação. Opinião é uma leitura subjetiva do fato, não pode ser confundida com o ato de informar um fato. Se não possui intenção de informar, não pode ser desinformativa”, completou ele.

Os cidadãos devem poder criticar e os veículos de comunicação devem poder existir, sem qualquer ataque à sua liberdade de imprensa e de expressão.

Marsiglia também acrescentou que cancelar o direito de transmissão da Jovem Pan  “insinua que a emissora existe tão somente com a finalidade de desinformar, que não tem em momento algum intenção jornalística ou informativa, uma acusação que por si só causa ao setor e ao jornalismo algum tipo de receio futuro”.

E não é só a cassação da Jovem Pan que o MPF está pedindo. As autoridades também desejam que a emissora seja condenada a pagar quase R$ 14 milhões em indenização por “danos morais coletivos”. “O MPF pleiteia que a Justiça Federal obrigue a Jovem Pan a veicular, ao menos 15 vezes por dia entre as 6h e as 21h durante quatro meses, mensagens com informações oficiais sobre a confiabilidade do processo eleitoral”, disse o órgão.

A cassação da Jovem Pan não pode ser mais um capítulo que nos distancia das democracias plenas.

Na melhor das hipóteses, isso iria provocar ainda mais desconfiança da audiência da emissora em relação às autoridades e ao sistema político brasileiro. “O cancelamento de uma outorga de radiodifusão é uma medida extrema e grave, sem precedentes em nosso Estado Democrático de Direito” disse a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), em relação ao processo que a Jovem Pan enfrenta. “A liberdade de programação das emissoras é fundamental para o livre exercício do jornalismo e para a existência do pluralismo de opinião, que devem ser semprepreservados”, completou a Abert. Foi uma manifestação sábia sobre o assunto.

O trabalho da Jovem Pan, ao se analisar o impacto todo, mais contribui para o aprimoramento da democracia do que para seu enfraquecimento. Críticas pontuais ao processo eleitoral não podem, por si só, serem qualificadas como ataques à democracia. Faz parte do processo democrático debater, avaliar e, até mesmo, criticar pontos do processo democrático de escolha de nossos representantes que podem enfraquecer o controle social, a participação popular e que podem dificultar a entrada de novos representantes.

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Exemplos disso são críticas pontuais ao financiamento público de campanhas, a eventual falta de mecanismos de auditoria ou de verificação manual de votos, a censura de temas durante o processo eleitoral e, até mesmo, os critérios de definição dos coeficientes eleitorais. Faz parte da democracia discutir eventuais fraquezas e inconsistências do sistema político ou do processo eleitoral – debate fundamental para melhorar o sistema e a vida dos cidadãos.

A democracia não pode existir pela metade, exatamente por isso foi cunhado o termo "democracia plena", que deveria ser aplicada pelo Brasil. O Brasil não pode tolerar abusos como os cometidos na Venezuela. O povo brasileiro merece ter o à informação, os jornalistas devem ter direito de informar, os comentaristas devem ter o direito de opinar. Os cidadãos devem poder criticar e os veículos de comunicação devem poder existir, sem qualquer ataque à sua liberdade de imprensa e de expressão.

A cassação da Jovem Pan não pode ser mais um capítulo que nos distancia das democracias plenas. O direito à liberdade de imprensa dos veículos de comunicação é, na verdade, a forma de preservar a sua liberdade de informação e de o a diferentes opiniões. Só em uma ditadura existe a verdade oficial. Os brasileiros jamais deixarão o Brasil voltar a ser uma ditadura. Ditadura nunca mais!