No dia 13 de dezembro de 1968 foi realizada a reunião em que o presidente Costa e Silva assinou o Ato Institucional Número 5, que consolidaria a ditadura militar no Brasil. Como se sabe, o AI-5 itia a censura aos veículos de comunicação, a cassação de mandatos políticos, a suspensão de direitos civis e a adoção de medidas de exceção, tudo isso sem qualquer consulta aos representantes eleitos do povo.
O então vice-presidente Pedro Aleixo se manifestou contra. Um puxa-saco perguntou se Aleixo duvidava “das mãos honradas do presidente”, a quem, afinal de contas, caberia a decisão final sobre o AI-5.
Aleixo respondeu: “Das mãos honradas do presidente Costa e Silva, jamais. Desconfio é do guarda da esquina”.
Traduzindo: o perigo não estava no discernimento do presidente, mas no efeito-cascata que a medida teria em toda uma escala de autoridades, que ia do Planalto ao guarda que descia o cassetete em quem era então percebido pelo poder como inimigo.
Hoje, mais uma vez, o problema não está nas “mãos honradas” de quem manda. O problema é que a tese da responsabilização dos veículos de comunicação por falas de entrevistados coloca o cassetete nas mãos dos guardas de esquina.
Como declarou o advogado João Carlos Velloso, a responsabilização cria o risco de "assédio processual" contra a imprensa, ou seja, “o ajuizamento sistemático de ações com o objetivo de intimidar jornalistas e veículos”.
As consequências práticas dessa potencial multiplicação de processos são óbvias: autocensura e relativização da liberdade de expressão. Só estará livre deste risco que não ousar publicar entrevistas que desagradem a alguém.
Não é só isso. Nos últimos 30 anos, muitos dos maiores escândalos de corrupção do Brasil (senão todos) foram revelados em entrevistas de pessoas que tiveram a coragem de denunciar os esquemas, publicadas por jornais que tiveram a disposição de divulgá-las.
Porque, como disse George Orwell, jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique: o resto é publicidade; ou, como disse Millôr Fernandes, jornalismo é oposição: o resto é armazém de secos e molhados.
Aos olhos do poder, do guarda da esquina ao Planalto, em rigorosamente todas aquelas entrevistas que denunciaram escândalos seria possível identificar indícios concretos de imputação caluniosa de crimes, porque estes só seriam comprovados bem mais tarde. E, no momento da publicação, os jornais não tinham como verificar a veracidade das denúncias.
Por conta da tese ora aprovada, quantas entrevistas assim deixarão de ser publicadas no futuro, por instinto de sobrevivência dos jornais e jornalistas?
Informo ao leitor mais ingênuo que, antes mesmo da aprovação desta tese pelo STF, já existem assuntos sobre os quais só é possível escrever medindo com muita cautela as palavras – e, mesmo assim, o texto precisa ar pelo departamento jurídico do jornal.
Porque, aparentemente, não faltam juízes de primeira instância dispostos a condenar uma empresa de comunicação pelo emprego errado do pronome neutro, para citar apenas um exemplo. Imagine agora.
Talvez isso não aconteça – ainda – na grande mídia, que em muitos casos optou por se tornar assessoria de comunicação dos donos do poder e porta-voz de uma agenda ideológica.
Mas em breve também a grande mídia obsequiosa sofrerá na pele as consequências de suas escolhas. A exemplo do ministro Marco Aurélio Mello, ninguém vai querer estar na pele da imprensa.
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