“Imagine-se então a dificuldade que teria um cidadão do Amapá, Acre ou Roraima, para ficar em alguns exemplos, de se pré-candidatar à Presidência da República e, se não conseguisse viabilidade política para tal empreitada, se lançasse candidato a Senador em seu Estado. (...) [Ele] não poderia concorrer a Senador em seu Estado. (...) Não poderia se candidatar nem mesmo a governador de seu Estado. (...) Deputado Federal, então, jamais.”
A íntegra do voto tem 231 páginas. Transcrevo a seguir dois trechos do início do texto, que considero exemplares e fundamentais para se compreender e se resgatar o correto papel de um servidor do Judiciário.
Primeiro:
“O julgador deve ficar adstrito ao que está no processo; àquilo que as partes trouxeram para julgamento, por obrigação constitucional e para garantia das partes, aplicando o Direito e se atentando ao que tem nos autos, seguindo a lei, independentemente do juízo popular sobre este ou aquele caso.”
Segundo:
“Não se está aqui a julgar a Operação Lava-Jato, seus personagens, acertos e erros. Não se vai aqui dizer dos bilhões de reais devolvidos aos cofres públicos pela prática confessada de corrupção nunca vista antes na História desse país; muito menos seus erros (...). Também não se apreciará o fato de o investigado Sergio Moro ter assumido o Ministério da Justiça do governo opositor político do então paciente Luiz Inácio Lula da Silva.”
O que se está fazendo é buscar pretextos para cassar um Senador eleito com quase 2 milhões de votos. Simpatize-se ou não com Moro, isto é apenas um absurdo
O relator só está dizendo o óbvio, só está explicando como deve funcionar um processo judicial, como deve se comportar um juiz. Mas, nos tempos estranhos que vivemos, parece que o óbvio precisa ser repetido todos os dias.
No Brasil de hoje juízes não se restringem aos autos: eles gostam dos holofotes, dão palpites e entrevistas sobre os mais variados temas, deixam clara qual é sua preferência política, antecipam seus votos, vazam rotineiramente informações para a mídia parceira, censuram e perseguem jornalistas, invadem a alçada de outros Poderes, condenam professoras septuagenárias aposentadas a 14 anos de prisão etc.
É a Justiça freestyle. Não sei qual será o resultado final do julgamento de Moro, mas, nesse contexto, não deixa de ser um alento aparecer um desembargador que ainda pratica a Justiça à moda antiga.
A denúncia contra Moro tem alicerces frágeis, porque não há legislação clara sobre “pré-campanhas” – até porque, em uma pré-campanha, como o próprio nome indica, ainda não existe candidatura formal. Por isso mesmo sequer é possível monitorar quanto um pré-candidato gasta nessa fase, que aliás pode não dar em nada.
Não existe, tampouco, limite legal para despesas de pré-campanha. Não havendo limite, não é feito monitoramento dos gastos. Abre-se então terreno para os chutes. No caso de Sérgio Moro, o Ministério Público acha que o Senador gastou no mínimo R$ 2 milhões. O PL, um dos autores da denúncia ao lado do PT, diz que foram R$ 7,5 milhões. A defesa de Moro alega que foram R$ 140 mil. Durma-se com um barulho desses.
O extenso voto do relator é muito bem fundamentado, desmontando uma a uma as alegações dos acusadores. Na conclusão, ele julga improcedentes as demandas pela cassação:
“Diante de todo o exposto ao longo deste voto, não se constata indícios mínimos dos crimes de apropriação indébita eleitoral (art. 294-A, CE), falsidade para fins eleitorais (‘caixa dois’ eleitoral, art. 350, CE), lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, dentre outros delitos comuns e eleitorais aventados pelos investigantes em suas petições iniciais e alegações finais.”
Também chama a atenção, no extenso voto do relator, a análise dos aspectos políticos envolvidos no caso. O que se está fazendo, ele sugere, é buscar pretextos para cassar um Senador eleito com quase 2 milhões de votos.
Simples assim. Simpatize-se ou não com Moro, isto é apenas um absurdo. Minha opinião. Escreve o relator:
“Não se pode perder de vista que todo processo aqui surge pela política: é muita ingenuidade acreditar que, atuando como juiz em grande operação de combate a corrupção que afetou razoável parte do quadro político, ao sair da magistratura e ingressar no governo beneficiado eleitoralmente pela indicada operação, não seria atacado; que, saindo desse governo, atirando, não receberia retaliação futura e, ao fim e ao cabo, sair candidato e sagrando-se vencedor na eleição ao Senado contra aquele que lhe abriu a candidatura presidencial (e que estava há décadas no Legislativo), não poderia ser alvo de desforra.”
É isso: não se trata de justiça, trata-se desforra. Não é perseguindo opositores que se defende o Estado de Direito. Isso é coisa de ditaduras, como a da Venezuela. Não é assim que se faz em uma democracia.
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