(Mas anotem: pelo andar da carruagem, em breve criticar esse modelo muy amigo será considerado uma ameaça à democracia, e quem o fizer será censurado e desqualificado como um inimigo da natureza e um fascista.)

Segundo o Le Monde, o acordo já foi concluído e está prestes a ser assinado. Em troca de um pagamento que pode chegar a 50 bilhões de dólares, a empresa Blue Carbon LCC terá direitos exclusivos sobre 10% do território de um país durante 30 anos.

Parece muito dinheiro? Talvez seja uma ninharia, comparada com os resultados da potencial exploração “do bem”, durante três décadas, dos minérios e outros recursos naturais da região, conciliada com projetos de conservação e reflorestamento.

Na nova economia global, a função dos países pobres será vender créditos de carbono para países ricos, enquanto a sua própria população morre de fome?

A Blue Carbon foi criada há menos de um ano por um sheik árabe, Ahmed Dalmook Al Maktoum, membro da família real. A mesma empresa já está negociando acordos semelhantes com a Zâmbia e a Tanzânia, outros países miseráveis na África cuja função na nova economia global, ao que tudo indica, será vender créditos de carbono para os países ricos, enquanto a sua população morre de fome.

Dubai, aliás, será a cidade anfitriã, em novembro e dezembro próximos, da COP 28, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, onde o acordo deve ser anunciado.

O Brasil, por sua vez, é candidato a sediar, em Belém, a COP 30, em 2025. Quem sabe até lá também teremos algum acordo parecido para anunciar sobre a Amazônia, sob o aplauso dos países ricos que destruíram suas florestas, mas hoje posam como heróis da defesa do meio-ambiente?

Para os Emirados Árabes, o acordo com a Libéria é um negócio da China; para o pobre país africano, nem tanto. Aliás, ninguém garante que esse dinheiro vai chegar nos mais pobres, considerando a corrupção endêmica na região.

Por essas e outras o acordo vem causando “inquietações profundas” na sociedade local. Por exemplo, somente uma parte do território concedido tem hoje o estatuto de área protegida; o restante é povoado, o que gera incerteza sobre o futuro dessas pessoas.

Aliás, uma rápida pesquisa no Google mostra outros riscos potenciais do acordo. Já em 2010 foi publicada a seguinte reportagem no site Mongabay – Notícias Ambientais para Informar e Transformar: “Libéria sofre suspeitas de fraude em projetos florestais de carbono”. A fraude, na época, envolvia uma empresa britânica.

Oficialmente, a ideia é até bonita: transformar a floresta em um santuário intocado, uma espécie de museu da natureza (intocado pelos liberianos, diga-se de agem, porque será difícil ter controle sobre o que fará a Blue Carbon da região). Mas acreditar que não há interesses econômicos e geopolíticos envolvidos nesse negócio é de uma ingenuidade atroz.

Por isso mesmo, uma comissão liberiana independente de vigilância da floresta vem criticando o governo por fechar um negócio que terá consequências imprevisíveis para a população local “privada de decidir sobre a utilização das suas terras” e quebrando leis, já que “a sua propriedade é em muitos casos comunitária e não estatal”.

Qualquer semelhança com a Amazônia pode não ser mera coincidência.

Segundo o igualmente insuspeito Aldo Rebelo, que não é exatamente alguém de direita, e outros depoentes da I das ONGs atualmente em curso no Congresso (I que vem sendo estranhamente ignorada pela grande mídia), hoje são as ONGs – generosamente financiadas por países ricos – quem manda em várias partes da Amazônia, decidindo quem até quem pode entrar ou não.

Se antigamente a esquerda-raiz berrava a plenos pulmões “A Amazônia é nossa!”, hoje militantes progressistas gritam: "O crédito de carbono é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo!"

Em breve a Amazônia poderá não ser tão nossa assim. E ainda teremos que achar isso bonito.

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