Ao usar frustrações legítimas como plataforma de campanha para seu retorno à presidência, Trump ensaia um suicídio geopolítico. Se ele for eleito e colocar em prática o que promete, ele dinamitará a já cambaleante confiança nos Estados Unidos. Jogar para a plateia é um recurso mesquinho que não vai fazer a América grande de novo. O efeito será o oposto.

Trump está usando a política externa dos Estados Unidos para fazer política doméstica. Para ressaltar o que é evidente – que o presidente Joe Biden tem se mostrado incapaz de lidar com conflitos não convencionais no exterior e que a crise migratória na fronteira sul é resultado de um governo que prefere cuidar da Ucrânia a proteger-se da invasão de imigrantes ilegais –, o republicano incorpora o inimigo.

Os republicanos aqui nos Estados Unidos, os bolsonaristas no Brasil ou os voxistas da Espanha – apenas para ficar em três exemplos – estão caindo juntos na mesma armadilha de idolatrar Putin como um homem antiglobalista e conservador.

Embora Trump possa ser capaz de resolver alguns dos problemas criados por Biden, a sua política externa é uma ameaça em uma escala maior. Carregada de ignorância e arrogância, ela pode afastar ainda mais os Estados Unidos de sua já contestada liderança hemisférica, pois a mundial já está respirando por meio de aparelhos.

Putin está inabalável. Mais do que isso, até. Ele se sente apoiado. Trump tem grandes chances de voltar. Ele sabe que, com o americano, o papo é cabuloso

Sabe-se lá por que razão Trump ajudou a reabilitar Putin quando a Europa e o mundo livre ainda cobravam dele as responsabilidades pela invasão da Crimeia, em 2014, e seu papel central no e ao regime de Bashar al-Assad, na guerra civil da Síria.

O trumpismo anda tão apaixonado por Putin que enviou para lá o seu garoto-propaganda favorito para descrever com iração como a Rússia é um lugar bacana injustiçado pela propaganda ocidental. Tucker Carlson, que se apresenta como jornalista, se transformou na voz de Moscou nos Estados Unidos. Mais eficientes que as estatais russas, que não são capazes de chegar com a mesma eficiência aos lares dos direitistas hipnotizados com a propaganda de Carlson.

O resultado desse hibridismo político talvez um dia ganhe o nome de trumputinismo. Um nome horrível na justa medida do resultado da quimera.

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Cinco dias depois de Trump relembrar que estimularia a Rússia de Putin a fazer o que bem entendesse com a Europa caso os europeus não pagassem suas contas com a Otan, o regime russo anunciou que o maior crítico de Putin havia morrido, “vítima de um mal súbito” enquanto caminhava sem horário de banho de sol. Alexei Navalny tinha 47 anos e estava na prisão desde 2021. Blogueiro, advogado anticorrupção e ativista político, ele incomodou tanto que, um ano antes de sua prisão, ele quase morreu depois de ter sido envenenado pela turma de Putin.

É preciso muita boa-fé, ingenuidade ou estupidez para acreditar que Navalny morreu vítima de um acidente vascular, segundo descreveram as autoridades russas. Ele foi morto. E por que foi morto agora? Por que Putin se sentiu tão à vontade para fazer isso agora? São respostas impossíveis de serem obtidas.

Mas há uma coisa inegável. Putin está inabalável. Mais do que isso, até. Ele se sente apoiado. Trump tem grandes chances de voltar. Ele sabe que, com o americano, o papo é cabuloso. Enquanto isso não chega, ele tem o apoio incondicional de gente miúda, mas capaz de engrossar o seu orçamento e “legitimidade”, entre os quais estão o venezuelano Nicolás Maduro, o sul-africano Cyril Ramaphosa e, claro, Luiz Inácio Lula da Silva.