Ninguém se perguntou quem era, de onde vinha e quais as capacidades de alguém – que até então só havia se dedicado a fazer espuma nas redes sociais – para virar o suprassumo da tecnologia e análise de dados. Mas nem precisava. O “argentino da live” validava a crença. Em geral, sobretudo em um contexto de animosidade, dizer o que se quer ouvir é o que basta.
Em 2020, o americano Donald Trump perdeu a eleição. Perdeu para ele mesmo, mas perdeu. Ponto final? Não. Ele se seus seguidores não digeriram a derrota, e até hoje choram e rangem os dentes. Embalados por toda ordem de indignação com pitadas de alucinação e muita burrice, invadiram o Capitólio. Dois anos depois aconteceu o mesmo no Brasil. Jair Bolsonaro perdeu para ele mesmo, mas perdeu. Ponto final? Não. Ele se seus seguidores não digeriram a derrota, e até hoje choram e rangem os dentes. Embalados por toda ordem de indignação com pitadas de alucinação e muita burrice, invadiram o Palácio do Planalto, o Supremo e o Congresso.
Os eventos de 2020, nos Estados Unidos, deveriam ter servido de lição para Bolsonaro e sua base. Só que não. Os eventos dos Estados Unidos e do Brasil deveriam servir de lição para Milei. Mas, ao que parece, não vão. E o resultado já sabemos qual é.
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O que está acontecendo no mundo é um esforço brutal para que as pessoas desacreditem na democracia. E este esforço tem pai, mãe e tios. China, Rússia e seus agregados em Caracas, Teerã, Havana e outras quebradas autocráticas.
Quando Trump venceu a eleição, em 2016, todo mundo se assombrou. “Como foi possível?” Então apareceu a tese de que foi graças a uma mirabolante intervenção russa. O Partido Democrata alimentou a tese e a imprensa dos Estados Unidos a comprou sem muita reflexão. A reboque veio o mundo inteiro, colocando em dúvida a saúde da maior democracia do planeta. E quem quer desacreditar a democracia não precisa intervir de fato, mas fazer com que as pessoas acreditem na intervenção. É uma arte.
O pavimento é relativamente simples de ser compreendido. Primeiro, é necessário identificar um ou vários sentimentos que provocam indignação. No Ocidente não faltam. Vão desde a overdose de pautas identitárias ao vandalismo cultural, por exemplo. Então, basta amplificar. Apresentar remédios autocráticos como um certo Nayib Bukele, para vender como boas e necessárias medidas autoritárias para corrigir as falhas da democracia, a falecida. Direitistas am, então, a idolatrar El Salvador, assim como os comunas a reverenciar Cuba. Duas autocracias.
O mesmo Milei que promete não negociar com comunistas – no caso, a China – pode estar ajudando bovinamente a normalizar um mundo que a China quer, onde a democracia é um valor tão relativo ou flexível que eleições serão apenas um detalhe
“Ah! Nada a ver. Em El Salvador, Bukele está defendendo a população e mandando bandido para cadeia. Em Cuba quem sofre é o povo que se queixa na rua por pão e liberdade.” Verdade? Verdade. Cuba é uma ditadura consolidada. El Salvador é uma ditadura em construção. Cuba já implodiu a democracia há tempos. El Salvador está servindo de plataforma para justificar que a democracia não serve mais.
E o que Milei e seu “argentino da live” têm a ver com isso? Eles estão erodindo ainda mais os pilares da democracia. O mesmo Milei que promete não negociar com comunistas – no caso, a China – pode estar ajudando bovinamente a normalizar um mundo que a China quer, onde a democracia é um valor tão relativo ou flexível que eleições serão apenas um detalhe.
A luta antissistema de Milei e de vários outros pode, ainda que involuntariamente, estar colaborando pela substituição por algo que nos fará sentir saudades dessa tão maltratada democracia.