O fato de haver eventos parecidos com eleições não deveria servir de argumento para imprensa, academia e muito menos líderes políticos serem condescendentes com a apropriação indevida do rito para “esquentar” autocracias.
Na Coreia do Norte, o rechonchudinho que dá as ordens por lá foi eleito com 100% da preferência. Afinal, nem opositor ele tinha. Com a exceção do PCdoB e de certo pessoal dos partidos de esquerda no Brasil, ninguém tem muita dúvida de que Kim Jong-un é um ditador e que sua “eleição” é uma palhaçada.
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Se é tão fácil reconhecer que a “eleição” não é sinônimo de eleição na Coreia do Norte, por que diabos é tão difícil entender que o que se ou na Rússia e na Nicarágua, e o que se ará na Venezuela em julho não dá para chamar de eleição?
A oposição venezuelana tenta participar do processo com uma candidata competitiva. María Corina Machado seria a única capaz de derrotar Nicolás Maduro em um processo eleitoral limpo. Mas, como ela foi inabilitada pela Suprema Corte, a filósofa e professora universitária Corina Yoris foi anunciada como a alternativa para vencer o chavismo. Maduro está no poder desde 2013. Pegou a presidência para si depois da morte de Hugo Chávez, que oficialmente ocorreu em março daquele ano, e da condição de interino organizou um processo relâmpago que formalizou a sua vitória sobre Henrique Capriles.
Em 2019, ele voltou a vencer em um processo repleto de fraudes que não foi reconhecido por dezenas de países. Mas Maduro seguiu firme. Driblou as sanções com o e do eixo Rússia-China-Turquia-Irã e pode se considerar um vitorioso.
Mergulhou o país inteiro na miséria. Criou a maior crise humanitária do hemisfério. Despejou milhões de refugiados nos países vizinhos e nos Estados Unidos, o grande inimigo.
O regime montou uma ficção para se legitimar. Além da possível fraude em si, Maduro tem um exército de milicianos que conduzem os eleitores dentro do que no Brasil se convencionou chamar “voto de cabresto”
Mas, com a ajuda do lobby petroleiro e com a idiotia ideologicamente motivada de assessores de Joe Biden, Maduro ganhou de presente o fim das sanções, a liberação de seus familiares traficantes e de seu principal lavador de dinheiro no exterior, Alex Saab. O seu único compromisso era fingir fazer eleições livres. Mas nem isso ele topou.
Ainda que María Corina tivesse recebido a graça de poder concorrer contra o ditador, a vitória é incerta e impossível. A candidata Yoris ficou com a missão de bater o chavismo. Torço por ela, mas as chances de sucesso são remotas. Maduro sabe conduzir o processo. A própria candidatura de Yoris só existe porque Maduro já está dando as cartas. Yoris é uma mulher com uma história digna e valente por encarar uma ditadura com histórico de esmagar seus opositores. Portanto, ela está longe – muito longe – de ser uma opositora funcional.
A questão é outra: a oposição acredita poder vencer uma eleição. Mas, mais uma vez, reafirmo: o que está para acontecer não é uma eleição. O regime montou uma ficção para se legitimar. Além da possível fraude em si, Maduro tem um exército de milicianos que conduzem os eleitores dentro do que no Brasil se convencionou chamar “voto de cabresto”.
Os venezuelanos foram ensinados a não acreditar no sigilo do voto. Votam em Maduro por medo de perder o emprego ou benefícios sociais. Como o voto não é obrigatório, as milícias praticamente “pegam o eleitor pela mão” nas áreas mais carentes e dos servidores públicos para checar se eles já votaram. Quem não tem a tinta roxa no dedo é ameaçado.
É a democracia relativa. Entendeu?