Mas por que regimes totalitários encaram a religião e a expressão pública da fé como perigosas? No caso da Nicarágua, a perseguição geral às igrejas seria uma forma de retaliação do Estado contra ações pontuais de questionamento às políticas autoritárias do governo. É fato que nenhum regime ditatorial acolhe bem os críticos; ao contrário, quem não adere ao projeto normalmente é encarado como "inimigo do Estado" e, portanto, um alvo a ser alvejado sempre que possível. Mas há outro ponto importante.

A expressão livre da população sempre é um problema para qualquer ditadura. Regimes autocráticos reprimem a liberdade de expressão e a individualidade de todas as maneiras possíveis. Controla-se o que é dito publicamente, na imprensa, nas redes sociais, mas também se busca o controle do que é dito em reuniões e conversas em grupos privados. Os regimes ditatoriais, muitos deles ditos "populares" ou "democráticos" – que na verdade odeiam o povo e a democracia –, consideram um grave problema quando as pessoas podem ter ideias, pensamentos e sentimentos diferentes daqueles que o partido ou governante quer impor. Todo regime autocrático deseja ter o monopólio da fala sobre tudo e todos.

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Pessoas que expressam publicamente sua fé declaram para todo mundo a adesão a um projeto de vida específico, quase sempre bem distinto daquele dos regimes autocráticos. Um católico dificilmente irá encontrar muitos pontos em comum com o ideário do Partido Comunista chinês. Então, um ato público de fé, reuniões ou encontros religiosos de católicos na China, sempre será encarado como uma reunião de "dissidentes" do regime comunista, por mais que seus participantes não tenham nenhuma intenção política. Daí a insistência em controlar e tentar submeter as práticas religiosas a regramentos que esvaziem suas especificidades ao máximo, fazendo com que se convertam tanto quanto possível em uma reunião qualquer de membros do partido comunista.

É difícil tentar imaginar essa realidade, pois no Brasil ainda não chegamos a tal nível. Por aqui, os governantes de plantão tentam, na medida do possível, ter uma relação harmoniosa com as igrejas, mas o cerceamento à expressão pública da fé pelo Estado também existe. A Constituição brasileira declara proteção à liberdade religiosa, estabelecendo que a liberdade de consciência e de crença é inviolável e que é "assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". Entretanto, tem crescido o número de ações judiciais que tentam cercear o direito, por exemplo, de pastores ou padres afirmarem publicamente preceitos e ensinamentos do cristianismo, sob o argumento de serem ofensivos ou discriminatórios.

Pedidos de retirada de cruzes de edifícios públicos são igualmente comuns, assim como as tentativas de se excluir lideranças religiosas – especialmente as cristãs – de discussões importantes. Podemos não ter chegado à terrível realidade da Nicarágua ou da China, mas por aqui também os poderosos parecem tentados a ver na religiosidade um inimigo em potencial. É algo que não podemos deixar acontecer. O direito de expressar a própria fé precisa ser assegurado e defendido, sempre.