Tudo foi motivado por um comentário de Garcia sobre a tragédia no RS no programa Oeste Sem Filtro, no último dia 8. O jornalista disse que “a chuva foi a causa original [da tragédia]. Mas no governo petista foram construídas, ao contrário do que recomendavam as medições ambientais, três represas pequenas que aparentemente abriram as comportas ao mesmo tempo”. Ele defendeu, então, que as autoridades deveriam apurar a responsabilidade do governo no agravamento da tragédia. E foi só.
Uma declaração dessas, feita por um jornalista com décadas de experiência (lembro que quando criança já assistia Alexandre Garcia na televisão), seria vista numa democracia qualquer como mero exercício da liberdade de imprensa e expressão, mesmo desagradando o staff presidencial. Quando muito, mereceria uma nota de três linhas da assessoria de imprensa do governo como resposta. Nada mais. Isso se estivéssemos numa democracia – oficialmente até somos uma, mas os fatos, vocês bem o sabem, mostram que estamos indo por outro caminho.
O governo tem uma máquina pública para perseguir desafetos, então por que não usá-la, não é mesmo?
Como estamos em terras pantanosamente cada vez mais autocráticas, a declaração foi um estopim para os ardorosos “defensores da democracia” pedirem a cabeça de Garcia. O advogado-geral da União, Jorge Rodrigo Araújo Messias, o “Bessias” (lembram dele?), anunciou nas redes sociais “imediata instauração de procedimento contra a campanha de desinformação promovida” por Garcia e que o governo iria “buscar a responsabilização” do jornalista. Pois é. Se o governo tem uma máquina pública para perseguir desafetos, por que não usá-la, não é mesmo?
O que Lula tem a ver com isso? Bom, ele é o presidente. Se o Brasil tem hoje um Ministério da Verdade para chamar de seu, é graças a ele, por mais que em seus discursos Lula insista em tentar ar-se por um ardoroso defensor da liberdade de expressão. Claro, dificilmente políticos, independentemente de suas bandeiras partidárias, gostam de jornalistas. Isso é um fato. Quem está no poder não gosta de gente que sempre está apontando falhas ou criticando sua conduta política. Embora não itam, políticos (e outros poderosos de plantão) gostam mesmo é de estarem cercados de quem os aplauda e os cubra de louros. Por isso é tão comum que políticos critiquem ou se queixem da imprensa. Para políticos (na verdade, qualquer cidadão) que se sintam pessoalmente atingido em sua honra por alguma reportagem ou matéria na imprensa, há ainda o recurso de buscar reparação judicial por calúnia ou difamação. Até aí, faz parte do jogo democrático.
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Mas quando o descontentamento de um político (ou outro poderoso) assume ares de perseguição, quando se cria um aparelho estatal voltado apenas para identificar e punir vozes críticas, estamos a um o da ditadura pura e simples, que começa, como já falamos, exatamente pela supressão das liberdades, em especial da de expressão e de imprensa, pois assim o caminho para a implantação de medidas cada vez mais opressoras se torna muito mais fácil.
Alexandre Garcia é apenas o primeiro, um teste para a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia ver até onde pode estender seus tentáculos de opressão sem que ninguém lhes barre o caminho. É também uma ameaça para os demais jornalistas – ou ao menos aos não aparelhados com o governo: calem-se, antes que aconteça o mesmo com vocês.
O sinal de alerta está dado: se a sociedade brasileira não reagir a esse perigo, defendendo o direito de expressão e de imprensa, certamente Garcia será o primeiro de muitos. Gritemos enquanto ainda temos voz.