Bem-Vindo à Chechênia, de David , e pasmei com a realidade que o filme mostra. A partir de 2017, o governo de Grozny, comandado por Ramzan Kadirov, iniciou a sua caça à comunidade LGBTQIA+. Funciona de duas maneiras. Os homossexuais são torturados ou mortos pela polícia do Estado; ou o próprio governo incita as famílias a tratarem do assunto com as próprias mãos. O Kremlin, que apoia Kadirov e conhece essas barbáries, recusa-se a mexer um dedo, talvez por concordar com a filosofia que anima os criminosos. 452uh
O filme de David não poupa nos pormenores, mostrando filmagens da violência tchetchena sobre a sua própria população. Mas o mérito do documentário está também na forma como revela o trabalho de ONGs russas. São elas que recebem os pedidos de ajuda; que montam um arriscado esquema de extração das vítimas do país; que as escondem em abrigos (vários) no interior da Rússia; e que finalmente conseguem asilo para os perseguidos num qualquer país do Ocidente. Às vezes, essa ajuda não se limita a um só indivíduo. Famílias inteiras têm de ser salvas da morte certa. Repito: se você fosse gay, lésbica ou trans, preferia morar em Washington ou em Moscou?
Nas discussões correntes sobre a guerra da Ucrânia, temos essa estranha sintonia: direita e esquerda exibem uma sinistra compreensão pelos atos de Vladimir Putin. Sobre a direita reacionária, pouco haverá a dizer: o falso tradicionalismo de Putin e a sua guerra declarada à suposta decadência do liberalismo sempre animaram essas almas nostálgicas. Mas como levar a sério as lutas de uma parte da esquerda contra o colonialismo, o racismo e a homofobia quando ela permanece silenciosa, ou até cúmplice, com o colonialismo, o racismo e a homofobia de Putin e seus aliados?