Em 1919, quando os vencedores da Primeira Guerra se reuniram em Paris para redesenhar um mundo entre as ruínas, a Alemanha foi exemplarmente punida. Persiste a polêmica de saber se o Tratado de Versalhes foi mais gravoso do que, por exemplo, o Tratado de Brest-Litovsk, que a Alemanha impôs à Rússia em 1918 para que os bolcheviques saíssem do conflito. É uma boa pergunta: a Rússia perdeu um terço da sua população e terra fértil e viu a sua capacidade industrial dizimada para metade. Razão pela qual é perfeitamente razoável imaginar que o Tratado de Versalhes que os aliados impam à Alemanha não seria muito diferente da punição que a Alemanha teria imposto aos aliados, caso tivesse vencido a guerra.

Seja como for, a Alemanha e a nova União Soviética tinham dores comuns, que rapidamente se tornaram uma colaboração. Conta Johnson que, depois do Tratado de Rapallo de 1922, que normalizou as relações entre os dois países, Moscou e Berlim começaram uma parceria militar. Os alemães garantiam tecnologia, conhecimento e capital ao depauperado Exército Vermelho. A União Soviética permitia que a Alemanha contornasse as limitações militares impostas por Versalhes, concedendo em solo soviético as bases, as academias, os laboratórios e as fábricas que começaram a rearmar o exército germânico.

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A colaboração terminou com a ascensão ao poder de Hitler, em 1933. Mas foi retomada em 1939, e sempre com o mesmo objetivo: aumentar e modernizar a capacidade bélica dos dois países. Nesse sentido, o Pacto de Não Agressão, assinado nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, deve ser visto como a consequência lógica de uma parceria mais antiga, sem a qual a Alemanha e a União Soviética não teriam emergido como os dois titãs militares da Europa pós-1918. Ou, em outras palavras, a Alemanha e a URSS puderam dividir a Europa de Leste em “esferas de influência” (adoro eufemismos) porque ambas reforçaram o poder de ambas. Pelo menos, até Hitler quebrar o acordo – para sua perdição.

O sacrifício russo na Segunda Guerra foi inegável e inestimável. E ele deve ser celebrado pelos homens e mulheres comuns, vítimas de duas tiranias gêmeas: a de Hitler e a de Stálin. Mas a apropriação desse sacrifício por um regime que faz em 2022 o que Hitler fez em 1941 – invadir um país soberano para submetê-lo aos caprichos de um poder imperialista – é irônica e grotesca. Da Segunda Guerra Mundial, o Kremlin, ao contrário do povo, tem pouco de que se orgulhar.