Liberal tem de aprender a se comunicar direito e, sobretudo, ter uma percepção mais realista da sociedade. Conceitualmente, não há dúvida de que a poupança é condição necessária para o enriquecimento (de indivíduos e países), mas também é certo que a pobreza limita a própria capacidade de poupar. Quem quer que tenha sido pobre, ou conheça de perto a pobreza, sabe que o cidadão pobre gasta tudo o que ganha porque esse tudo é pouco demais, e não lhe restam muitas alternativas. Uma família com alguns filhos e baixa renda per capita terá se se virar com a comida, as roupas, o transporte, o aluguel, a luz, a água, os remédios.
Poupar é hábito importante, sim, que deve ser estimulado desde a infância. Mas nem tudo é tão simples quanto parece. De certa forma, tocamos aqui na questão mais geral do mérito, virtude cantada em verso e prosa por defensores do livre-mercado e do empreendedorismo, que muitas vezes se converte na superstição da “meritocracia”. Pois eu acredito no mérito, não acredito na meritocracia – se compreendida como palavra-de-ordem ou abracadabra de todos os problemas econômicos e sociais. O rapaz de classe-média é diferente do herdeiro rico que é diferente do filho do desembargador que é diferente do comerciante que é diferente do menino do interior do Maranhão que é diferente do analfabeto que é diferente do ex-presidiário que é diferente da mulher abandonada pelo marido que é diferente de mim e de você.
Mérito, esforço, resiliência, disciplina e força de vontade são valores fundamentais à vida de qualquer um, em qualquer condição, a partir de qualquer “posição original”, nos termos do filósofo John Rawls. Não discuto uma obviedade dessas. Discuto o seguinte: é preciso ser muito obtuso, ou muito fanático, para ignorar ou negar que as diversas posições originais – onde nasci, quem são meus pais, qual é seu nível de escolaridade, quantos são meus irmãos, quanto dinheiro herdei ou não herdei, quais doenças incapacitantes ou debilitantes tenho etc – podem distribuir mal as oportunidades, e que os contrastes socioeconômicos já estabelecidos no dia do nascimento impõem vantagens a uns e desvantagens a outros, que devem ser contrabalançadas por ações – públicas ou privadas, este é outro problema – que suavizem essas discrepâncias. Mérito e oportunidade não são antinomias.