É isso: menos bebês, mais liberdade para as mulheres. O problema é esse excesso de bebês.

Quem poderia ser contra berçários menores? Gente que não bate bem da cabeça, por certo. A reportagem esclarece que são pessoas de classe média e alta, católicas, que “abraçam irrestritamente a doutrina cristã” – ou seja, cristãos de verdade – e que rejeitam métodos contraceptivos, vangloriando-se na internet por seus feitos reprodutivos, enchendo perfis conservadores com aquelas fileiras de crianças – que pouca vergonha!

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Aí a jornalista dá o o previsível de enquadrar essa vontade louca de “crescer e multiplicar” nos movimentos de “radicais católicos”, desembocando em outras “pautas da direita”. Não deixa de ser verdade; mas isso é um problema da esquerda e da jornalista, não da direita. Parece que, em algumas mentes, tudo o que uma pessoa “errada” faz é errado, mesmo que sejam bebês.

Por fim, o artigo ainda alega que esses católicos prolíficos, por recusar os métodos anticoncepcionais e apostar em famílias grandes, são pessoas para as quais “não cabe debate”. Pareceu-me o ponto mais baixo do artigo: a levar a sério sua linha de raciocínio, ter uma posição firme contra o secularismo é recusar o debate. Certamente recusar todo debate é ruim para a vida intelectual e social, mas debate não significa suspender o julgamento e manter-se na indecisão. Mas já sabemos como isso funciona hoje: doutrinas religiosas devem ser “debatidas” (flexibilizadas) e os valores seculares devem ser assumidos (pois o mundo “girou”).

O pecado original por trás dessa filharada é corretamente identificado pela articulista: a encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI (1968), quando a Igreja se meteu a interferir no processo civilizatório e regular a natalidade. Ao menos, o papa Francisco estaria disposto a rediscutir a questão – essa parece ser a esperança da jornalista, que espera ver o assunto ser trazido à luz “sem tantos tabus”.

Segundo Abigail Favale, muita mulher “moderna” tem vergonha e raiva de sua biologia, e tenta participar do mundo dos homens suprimindo-a ao máximo, com direitos, medicina e remédios

“Tabus”! Surpreende que alguém ainda use essa palavra para falar de controle de natalidade. Ela se aplicaria melhor à exaltação da maternidade em pleno século 21 – isso, sim, é um grande tabu aos olhos dessa religião laica que é o individualismo expressivo. Esclareço: à época da revolução sexual, muitos temas de sexualidade humana eram tabus para pessoas conservadoras e religiosas; mas as coisas já se inverteram há bastante tempo. Não existem mais tabus sexuais; para o indivíduo contemporâneo, tabu é o que mexe com sua individualidade; é o que questiona – e revela – a infelicidade do Self moderno, e a inviabilidade do modo de existência epicurista, atomizado e antinatural que ele tenta constituir para si.

Em poucas áreas isso fica mais evidente do que no tocante à mulher. Como Abigail Favale mostra muito bem em seu genial Genesis of Gender (A gênese do gênero, publicado pela Quadrante em 2023), o feminismo realizou o feito de separar a feminilidade da biologia feminina e da maternidade – o útero –, transformando o feminino numa performance que qualquer um pode assumir. A sua conclusão, que me parece muito bem argumentada e incontornável, é que muita mulher “moderna” tem vergonha e raiva de sua biologia, e tenta participar do mundo dos homens suprimindo-a ao máximo, com direitos, medicina e remédios.

E nada lembra essa sorte de mulher “moderna” mais rapidamente disso do que uma mãe cristã com uma enorme fieira de filhos atrás. Que horror!