Outro crítico da resposta de Liz Magill foi ninguém menos que Steven Pinker, que propôs outro caminho. Sua síntese merece reprodução aqui: 1. Uma política de liberdade de expressão clara e coerente; 2. Neutralidade institucional: universidades são fóruns, não protagonistas; 3. Proibição do uso da força: chega de vetos de intrometidos, ocupação de edifícios, invasões de salas de aula, intimidações, bloqueios e agressões; 4. Desempoderar burocratas de DEI (“diversidade, igualdade e inclusão”), que não prestam contas a ninguém, e que transformaram os câmpus em piadas; e 5. Diversidade de pontos de vista: desencorajar monoculturas intelectuais e políticas (incluindo extrema-esquerda/PoMo/“interseccional”).
Vale mencionar ainda a reação de Jonathan Haidt, que anunciou o “alerta vermelho”. Ele apontou as mesmas contradições e recomendou o trabalho da Fire e de seu fundador, Greg Lukianoff. Os dois escreveram juntos o essencial The Coddling of the American Mind, no qual descreveram todo o processo de degradação da vida intelectual e da liberdade de expressão nas universidades dos EUA, a partir de um conjunto de práticas pedagógicas doentes que se tornaram endêmicas no país. Mas a barragem estoura mesmo em 2015, quando as universidades aceitam a ideia de punir “microagressões” e começam a inflacionar seus códigos de conduta com o policiamento do discurso acadêmico.
Deu no que deu. Reagindo positivamente aos comentários de Steven Pinker, Haidt mostrou resultados de uma pesquisa do instituto Gallup, com dados de junho deste ano, indicando o rápido afundamento da confiança pública na educação superior. A porcentagem de adultos que disseram confiar “muito” ou “bastante” nas instituições universitárias caiu, entre 2015 e 2023, entre todos os grupos: 37 pontos porcentuais entre os eleitores republicanos (de 56% para 19%), 16 pontos entre os eleitores independentes (de 48% para 32%) e nove pontos entre os eleitores democratas (de 68% para 59%).
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Haidt observou que esses dados são anteriores aos ataques terroristas de outubro, e anteriores à fala desastrosa das reitoras. O comportamento errático da academia no campo da liberdade de expressão estaria levando as universidades a uma bancarrota moral. E a origem de tudo isso, segundo Haidt, seria – adivinhem! – o identitarismo, destruindo a cultura acadêmica.
Em resposta, Haidt relembra um artigo e uma palestra ministrada por ele anos antes, em 2016, no qual ele argumentou que “Universidades devem escolher um telos: verdade ou justiça social”, destacando que a monocultura ideológica nas universidades destrói a possibilidade de “desconfirmação institucionalizada” das ideias que pretendemos defender, tornando difícil ou impossível a checagem dos vieses ideológicos dos acadêmicos. Se a universidade tem como objetivo a justiça social, a ideologia terá prioridade sobre a verdade, tribalizando toda a sua atividade. Pelo contrário, o propósito da universidade deveria ser a verdade.
Há algo mais a dizer aqui, no entanto; a despeito de suas observações válidas, creio que a Fire, Steve Pinker e Jon Haidt não atingiram a profundidade moral da questão. Simplesmente não há sentido em preservar qualquer apologia a genocídios dentro do campo da liberdade de expressão. Quanto a isso, não vejo apenas um problema de duplo padrão na aplicação dessa liberdade, mas de uma desproporção entre a apologia à violência e a mera crítica moral a grupos protegidos, reprimida por universidades da Ive League como o equivalente de “violência”. Essa desproporção foi apontada por conservadores como Patrick Deneen: uma defesa do genocídio não pode, honestamente, ser comparada com a recusa de usar os pronomes exigidos por supremacistas identitários.
Se a universidade tem como objetivo a justiça social, a ideologia terá prioridade sobre a verdade, tribalizando toda a sua atividade. Pelo contrário, o propósito da universidade deveria ser a verdade
A situação toda nos faz pensar, evidentemente, em nossa universidade pública. A julgar pelo desinteresse na questão da liberdade de expressão acadêmica – em sua medição objetiva e acompanhamento sistemático –, alguém poderia imaginar que no Brasil não temos esses problemas de gringos. Mas todos sabemos a verdade: a academia brasileira sempre lutou pelo seu direito de falar e investigar sem intervenções “fascistas” do Estado e da sociedade civil, mas isso não significa que ela sempre lutou pela liberdade de expressão interna, de seus membros individuais. Pelo contrário, a monocultura ideológica na universidade é um fato público e notório.
Deveríamos pensar que os vieses cognitivos, investigados a fundo pela economia comportamental moderna, operam em toda a raça humana, exceto nas universidades brasileiras?