Na visão, a besta era semelhante a leopardo, com pés como de urso e boca como de leão,combinando adjetivos das primeiras três bestas de Daniel 7; a quarta besta é representada pelos dez chifres. E o dragão deu à besta o seu poder, o seu trono e grande autoridade, ou seja, a besta não é apenas uma concentração de poder político e militar, ou a deificação do Estado e do seu governante; ela personifica a maldade satânica, obtendo seu poder e sua autoridade do dragão, que opera por meio do Estado iníquo. E uma das cabeças da besta parecia ter sido golpeada de morte, mas essa ferida mortal foi curada. Estas são as mesmas palavras usadas para o Cordeiro (5.6), que foi morto de fato. E essa ferida na cabeça da besta não é outra coisa senão aquela que o Cristo-Cordeiro infligiu, em sua ressurreição, ao diabo (Gn 3.15).Mas a cabeça foi curada, a besta retornou à vida depois de receber uma ferida mortal, portanto a besta se apresenta como uma paródia da morte e ressurreição de Cristo. Esta será mais uma imitação satânica, onde o dragão e a besta copiam o que Deus e Cristo realizaram. Assim, por causa desta ressurreição falsificada, toda a terra se maravilhou. Aqueles apartados de Deus e do Cordeiro adoraram o dragão [...] também adoraram a besta. As multidões são enganadas pelo milagre e fazem o que não fizeram durante o ministério de Jesus, adoram o dragão e a besta. A besta não quer exercer apenas poder político, sua meta é conquistar a lealdade das pessoas e desviá-las da adoração a Deus. Mas adorar a besta, usando uma paródia do Cântico de Moisés (Êx 15.11), é adorar o poder satânico por trás dela, pois as forças demoníacas sempre estão por trás da adoração aos ídolos.
João nos lembra que o tempo do Anticristo será um tempo de luta pelas almas da terra. E a besta evidenciará um poder tão grande que o mundo será convencido da futilidade de querer resistir ao seu poder maligno. Como cristãos, como estamos nos preparando para esse tempo de iniquidade e trevas que virá?
Na visão de João é dito que foi dada [à besta] uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias. Como a besta recebeu esta boca de alguém, fica claro que o seu poder não provinha dela, mas de uma autoridade superior. Ela recebeu seu poder do dragão. Ou seja, a autoridade da besta parece ter vindo de Satanás. Mas, na realidade, o Deus soberano limita essa autoridade, para agir durante quarenta e dois meses,número que simboliza todo o período de perseguição da igreja, principalmente este período final, o tempo da grande tribulação. As arrogâncias e blasfêmias da besta contra Deus são a reivindicação da besta de que as pessoas lhe sejam fiéis e o adorem em lugar de Deus. E os santos serão difamados e pisados pelo Anticristo. O tabernáculo celestial não é apenas um lugar, é também o povo de Deus, e blasfemar contra o povo de Deus é blasfemar contra o lugar em que Deus habita. Diante de um quadro tão terrível, confiamos em que apenas o Deus soberano, e não o diabo, estabelece tempos e períodos? Como tal certeza guia nossa vida e preparação para o embate final?
E foi permitido [à besta...] que lutasse contra os santos e os vencesse. A besta tem ódio contra os santos, e agirá contra eles não importa os meios, mas sempre no âmbito da soberania divina. Sua ação primordial será desviar os santos de Cristo, o que a besta tenta com perseguição feroz. Ela os perseguirá terrivelmente, mas isto não significa que a besta consegue desviar os santos de sua lealdade de Cristo. Na verdade, aqueles que a besta aparentemente vencera tinham obtido a vitória, através do seu martírio. Seu martírio foi sua vitória; eles permaneceram leais a Cristo e se recusaram a adorar a besta e o dragão. Como Grant Osborne colocou: “Quando o dragão e a besta vencem os santos, eles são vencidos pelos santos. Isso repete a derrota de Satanás por Cristo. Quando Satanás planejou a morte de Cristo e entrou em Judas a fim de levar Cristo à cruz, ele estava selando o próprio destino. Quando Satanás ‘venceu’ Cristo, ele foi ‘vencido por Cristo’. Quando os santos se engajam na ‘participação dos seus sofrimentos’ [...], eles compartilham da vitória final de Cristo mediante uma aparente derrota”. Também foi dada [à besta] autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação. Não é possível encontrar o cumprimento destas palavras em nenhuma situação do Império Romano. A perseguição sob Nero estava limitada a Roma e implicou em poucos mártires; a perseguição sob Domiciano teve um alcance muito curto, Roma e cidades da Ásia Menor. João olha para um tempo em que um governante anticristão exercerá poder sobre todo o mundo. Mas, novamente, até mesmo esse ato final de abuso da besta contra o povo de Deus está sob o controle soberano do Senhor.
Por fim, a besta será adorada por todos os que habitam sobre a terra,uma referência às nações descrentes que seguem a besta, opõem-se a Deus e perseguem os santos. A besta terá total controle sobre elas, e elas realizarão todos os caprichos da besta. Entretanto, a besta não tem poder sobre o povo de Deus. A besta pode, com certeza, persegui-los e matá-los, mas seu poder sobre os santos será físico, não espiritual. O Livro da Vida é o registro de todos os que foram salvos pela fé no Cordeiro de Deus crucificado e ressurreto. Que seus nomes foram escritos desde a fundação do mundo implica na certeza que estes têm de sua eleição graciosa e da segurança de que Deus os guarda, apesar de parecerem indefesos diante dos ataques da besta. Que o Cordeiro foi morto se refere ao fato que ele operou a salvação para os que creem nele, e que sua morte mostrou o caminho para os que o seguiriam.
Aqui somos lembrados que a derrota que Cristo impôs ao diabo é semelhante ao Dia D na Segunda Guerra Mundial, e atual luta do diabo e de sua serva, a besta, é semelhante à resistência das forças alemãs ao inevitável e vitorioso avanço dos aliados ocidentais. Como o ponto de virada do Dia D, o resultado decisivo está agora assegurado, mesmo que a batalha ainda continue sendo travada. Assim, estamos diante dos últimos atos de rebeldia de um inimigo fanatizado, mas já derrotado. A vitória final foi alcançada na cruz pelo Cordeiro de Deus que foi morto em favor e no lugar dos eleitos.
João encerra sua descrição do Anticristo com uma advertência: se alguém tem ouvidos, ouça. Deus está dando instruções sobre a conduta de seu povo diante da perseguição violenta e pesada. Ele requer que ouçamos e obedeçamos a suas instruções. A isto segue uma afirmação solene, que pode ser traduzida de duas maneiras. A primeira versão faz referência a perseguidores que no fim sofrerão o mesmo destino que estão infligindo a outros: “Se alguém leva para cativeiro, para cativeiro vai. Se alguém matar à espada, necessário é que seja morto à espada”. A segunda versão pode se referir aos perseguidos: Se alguém tiver de ir para o cativeiro, para o cativeiro irá. Se alguém tiver de ser morto pela espada, pela espada morto será. A perseguição pela besta faz parte da providência de Deus e não cabe resistência violenta por parte dos santos. Quem está destinado ao cativeiro, tem de estar disposto a ir, como cristão. O cativeiro e a morte sempre têm sido o destino dos santos e, nos dias finais, debaixo da influência do Anticristo, ambos se tornarão a experiência universal da igreja – que, de acordo com Bauckham, pode implicar “o martírio de todos os cristãos, sem exceção [... o que] exige que todo cristão fiel esteja preparado para morrer”. Mas a perseguição não é a última palavra, pois ambas as versões podem estar certas: Deus retribui, e o castigo dos que perseguem e matam, no fim, será de acordo com seu crime. A última palavra não está com o perseguidor. O julgamento final está nas mãos de Deus, e este virá, com certeza. Os que erguem a espada contra o povo de Deus receberão a retribuição justa, mas para esperar aquele dia é preciso perseverança e fidelidade. Por enquanto, a impressão é que a besta tem poder ilimitado para matar os santos. Assim, tal tribulação exigirá dos santos fé de que Deus ainda é Deus, que ele ainda está governando, e que seu Reino triunfará.
A luz da exortação feita pelo apóstolo, devemos rejeitar a tão popular ficção de um suposto “arrebatamento secreto”, que salvaria a igreja magicamente antes dessa grande tribulação. Como afirmou corretamente Corrie ten Boom, que foi presa em 1944 pelos nacional-socialistas alemães por abrigar judeus em sua casa na Holanda, não há fundamento bíblico para tal ensino. E, como ela também afirmou, essa crença tornou a igreja cristã despreparada para enfrentar tempos de grande perseguição e martírio.
A única ação que será permitida aos santos nessa perseguição final é o se aplicar ao testemunho fiel e à perseverança em seguir a Cristo. Seremos chamados a nos submeter à besta, mas, sobretudo, à providência de Deus. Como no Antigo Testamento, em que o Senhor Deus é quem vencia as guerras em favor de seu povo, não devemos fazer guerra contra a besta – isso é função de Deus. Devemos viver fielmente e perseverar em nosso testemunho, deixando a batalha para o Senhor. Pois, como Bauckham escreveu, “enquanto a terminologia moderna chama o martírio de ‘resistência iva’, as representações militares de João [em Apocalipse] o tornam tão ativo quanto qualquer guerra física. [...] A mensagem [...] não é ‘não resistam!’, mas, sim, ‘resistam, mas pelo testemunho e martírio, não pela violência’. [...] Os leitores de João não devem transigir, antes, devem resistir à idolatria do Estado e da sociedade pagãos. Ao agirem dessa forma, estarão cumprindo uma função indispensável na concretização da vitória do Cordeiro.”
E os nomes blasfemos que adornam a besta, a adoração que a besta requer das nações, o seu poder para realizar milagres e enganar e até perseguir os santos, ocorrem no âmbito da soberania de Deus. Não há poder verdadeiro no mal. O Deus soberano está no controle, e o mal não pode realizar nada além do que faz parte do propósito divino. E todos esses males terão seu fim no tempo predeterminado por Deus. Como John Owen, que no tempo de Oliver Cromwell havia sido vice-chanceler da Universidade de Oxford, e que perdeu esta posição com a volta do tirano Carlos II ao poder, escreveu em 1680: “Mesmo que caiamos, a nossa causa será vitoriosa porque Cristo está assentado à direita de Deus; o Evangelho triunfará e isso me conforta de forma extraordinária.”
João menciona que viu outra besta emergir da terra. Esta segunda besta ou monstro terrestre era semelhante a um cordeiro, mas sua voz traía sua aparência, pois falava como dragão. Ela representa a religião a serviço da adoração à besta do mar, sendo chamada, mais adiante, de o “falso profeta” (Ap 19.20). A primeira besta incorpora o poder civil e militar; a segunda besta representa o poder religioso, empregado para apoiar o poder civil e militar. Ou seja, a rebelião final de Satanás será empreendida de forma implacável, por meio da instrumentalização de todas as esferas da sociedade. E, para promover essa grande batalha contra Deus e seu povo, Satanás parodia a Santa Trindade e estabelece sua própria trindade falsa: o dragão, ou seja, ele mesmo; a besta do mar, que é o Anticristo, com seu poder político e militar total; e a besta da terra, que é o falso profeta, que será o líder religioso do movimento. O dragão usa essas criaturas para ganhar o controle tanto do sistema político quanto do religioso, criando um único governo mundial, com o Anticristo como o rei supremo, e uma religião mundial, com o Anticristo como o ídolo do mundo. A combinação dos domínios político e religioso são o cerne do poder absoluto da falsa trindade sobre as nações.
A segunda besta, cuja descrição é tomada de Daniel 8, está a serviço da primeira besta. Não tem poder próprio, mas recebe poder de sua união com a primeira besta. Seu único objetivo é angariar a lealdade religiosa da terra para a primeira besta, fazendo com que todos os habitantes da terra adorem o Anticristo, tendo como base uma paródia da ressurreição. Também opera grandes sinais, [...] faz descer fogo do céu sobre a terra, diante de todas as pessoas. Seduz aqueles que habitam sobre a terra por causa dos sinais que lhe foi permitido realizar.No mundo romano a magia tinha um papel importante e era muito usada para enganar os crédulos. O falso profeta não fará somente supostos milagres, como uma paródia dos profetas Moisés e Elias. Ele terá poder para fazer descer fogo do céu, para enganar os homens com supostos poderes divinos, fazendo-os crer no que na realidade é obra de Satanás. Como G. K. Beale & David H. Campbell escrevem: “Um profeta verdadeiro leva as pessoas a adorar a Deus, mas o falso profeta as leva a adorar o Estado (e, por extensão, o diabo)”. Portanto, os cristãos não podem tolerar falsos mestres que se infiltram na igreja para seduzir alguns a que se comprometem com as instituições idólatras da cultura da morte, ilustrada pela defesa do abordo, sancionada pelo Estado iníquo, e que servem à besta. Os que habitam sobre a terra é uma expressão para aqueles que não creem no Cordeiro. Já que os que rejeitaram a oferta de salvação de Deus e recusaram-se a se arrepender (Ap 9.20,21), Deus os entregou ao engano que eles mesmos haviam escolhido. Em certo sentido, Deus está “entregando-os a Satanás”.
A vivificação aparente da primeira besta lembra trapaças realizadas por sacerdotes e feiticeiros do mundo antigo, que construíam roldanas e usavam técnicas de ventriloquia para dar a impressão de que os ídolos estavam vivos. Mas os sinais da besta parecem incluir atividade demoníaca real, já que o dragão está por trás dos ídolos estatais. Além disto, a segunda besta recebeu poder para fazer morrer todos os que não adorassem a imagem da besta. A frase, que é um eco da ordem de Nabucodonosor, em Daniel 3, afirma que a imagem da besta ordena que os que não adoram a besta sejam mortos. Contudo, Bauckham escreve, “a besta pode matá-los, mas não pode suprimir seu testemunho da verdade. Sua morte não contesta sua evidência, porque mesmo em sua morte, o poder da verdade em convencer supera o poder da mera força física para suprimi-lo.” Assim, o conflito crucial é colocado pelo apóstolo de forma bem clara. O conflito não é entre religião e ateísmo ou entre religião e religião. Mas entre Cristo e Anticristo – entre Deus e Satanás. De que lado estamos?
O povo de Deus, às portas da grande tribulação, foi selado em suas testas (Ap 7.3), separando-o da ira de Deus derramada sobre o mundo (Ap 9.4), fortalecendo-o em seu testemunho e sua lealdade a Cristo. A besta tem a sua marca, que é aplicada sobre a mão direita ou a testa daqueles que a adoram, numa inversão e paródia macabra dos tefilin judaicos. De maneira que temos dois grupos de pessoas, os que são selados por Deus e os que levam a marca da besta. A marca da besta é sinal de fidelidade por parte dos que a recebem, identificando-os como adoradores da besta. E esta marca da besta tinha utilidade religiosa e econômica. Pois a besta, com a ajuda do falso profeta, assumirá poderes totalitários, com controle completo de toda a política, religião e economia do mundo, com o objetivo de levar toda a humanidade a adorá-la. Se isso parece distante ou fantasioso basta acompanhar os experimentos de controle social que estão ocorrendo na China comunista. Assim, devemos observar atentamente a polarização: crentes são marcados com o “selo” de Cristo, enquanto os descrentes têm a “marca” da besta. Não há neutralidade nessa guerra, ou se pertence a Cristo ou à besta. A quem, de fato, pertencemos?
Esta visão de João se encerra com nova exortação: aqui está a sabedoria. [...] O número da besta [...] é número de ser humano. E esse número é seiscentos e sessenta e seis. João dá o nome da besta de maneira simbólica. Os primeiros leitores de Apocalipse devem ter entendido a menção. O máximo que podemos dizer é que se o número da besta é uma profecia de uma situação futura, ninguém ainda resolveu seu significado. O que é claro é que seiscentos e sessenta e seis refere-se à besta como inerentemente incompleta e pecaminosa, imperfeita, ainda que aparente ter alcançado perfeição e divinização.
Em toda essa agem de Apocalipse 13, João antevê o período de tribulação final da História, quando a besta, o Anticristo, sobe ao poder e a segunda besta, o falso profeta, se torna seu sumo sacerdote, obrigando o mundo a escolher entre Cristo e a besta. Nesse contexto, a recusa em participar da adoração universal à besta será considerada crime capital. Isso nos parece dramático ou radical? Devemos lembrar que vivemos apenas setenta anos depois da ascensão de monstros como Adolf Hitler, Josef Stalin e Mao Tsé-Tung ao poder e exigiram para si lealdade total. Na atualidade o espírito do Anticristo opera no Ocidente, engolfando-o numa onda de controle estatal, paganização, imposição de uma cultura de morte e promiscuidade sexual, enquanto no Oriente Médio o islamismo persegue os cristãos com fúria e o comunismo chinês suprime violentamente a liberdade da fé cristã. Portanto, somos, aqui, colocados todos diante do momento decisivo, a escolha entre seguir a besta ou o Cordeiro, o diabo ou o único Deus verdadeiro. A quem você seguirá – aqui e agora?
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