Catecismo da Igreja Católica afirma claramente que “a Igreja tem rejeitado as ideologias totalitárias e ateias associadas, nos tempos modernos, ao ‘comunismo’ ou ao ‘socialismo” (§ 2425)”. E “denuncia a chaga dos Estados totalitários, que falsificam sistematicamente a verdade, exercem através das ‘mídias’ o domínio político da opinião, ‘manipulam’ os acusados e as testemunhas dos processos públicos e pensam assegurar a sua tirania sufocando e reprimindo tudo o que consideram como ‘delitos de opinião’ (§ 2499)”.
Numa monografia de 1963, “Cristianismo e comunismo: uma comparação ideológica”, o clérigo luterano Ralph L. Moellering afirmou, após uma cuidadosa comparação, que os dois sistemas são totalmente incompatíveis:
“Desde os seus primórdios, o comunismo moderno tem sido consistente no seu repúdio à fé cristã. [...] Será que as ideologias comunista e cristã são [...] compatíveis? Somente se podermos ser induzidos a subscrever as distorções bizarras [... da fé cristã], o que poucos cristãos estão dispostos a fazer; ou, se os comunistas da nossa época estivessem preparados a revisar os seus dogmas e olhar novamente as reivindicações do cristianismo – uma disposição mental que nem Mao Tse-tung, nem [Nikita] Kruschev parecem ter. Pelo contrário, o comunismo e o cristianismo parecem estar competindo um contra o outro como crenças rivais em busca da lealdade da humanidade”.
E, ao concluir a comparação entre os dois sistemas antagônicos, citou o veredito de Reinhold Niebuhr sobre o comunismo:
“Este mal é um esquema pretencioso de salvação do mundo, um apocalipse religioso secularizado, que dividiu tolamente o mundo entre classes e nações boas e más, prediz o triunfo final das hostes da justiça contra as da injustiça, e destina uma classe, o ‘proletariado’, a se tornar a mestra de todo o processo histórico, ao dar ‘o salto do reino da necessidade para o reino da liberdade’. Se esse apocalipse religioso absurdo vier a ser implementado em larga escala, e controlar os destinos de todas as nações, a humanidade não enfrentará somente um governo totalitário, mas um esforço perigoso para se impor todas forças e vitalidades, as esperanças e aspirações de muitas nações, as aspirações culturais e éticas de indivíduos sensíveis dentro do modelo restritivo e confinador do seu esquema de salvação do mundo. Em suma, o perigo comunista é muito mais grave e sério do que supomos que ele seja quando o definimos meramente como despotismo”.
Aqueles familiarizados com a Confissão de Fé de Westminster e os Catecismos Maior e Breve sabem que estes documentos fazem afirmações doutrinais completamente incompatíveis com o esquerdismo
No Brasil, a IPB tomou uma posição oficial sobre o socialismo marxista ou comunismo em mais de uma ocasião. Foram oferecidas quatro respostas formais a consultas anteriores ao Supremo Concílio.
Em 1954, a IPB se pronunciou contra o comunismo da seguinte forma: “SC-54-138 – Quanto à consulta do Presbitério do Botucatu sobre se um membro da IPB, com ideias francamente comunistas, pode tomar parte nos trabalhos da Igreja, como dirigir classe da Escola Dominical, etc., o SC resolve responder que há incompatibilidade entre o comunismo ateu e materialista e a doutrina bíblica e os símbolos de fé da IPB”.
Em 1956, voltou a se posicionar sobre a atitude cristã quanto ao comunismo: “CE-56-096 – Quanto ao Documento Intitulado ‘Avaliação’, enviado pela CBM, a CE-SC/IPB resolve: [...] Em referência à atitude cristã quanto ao comunismo, persistimos em pregar a realidade do poder transformador do evangelho de Cristo, crendo que o comunismo é uma filosofia de vida contrária ao espírito e à doutrina evangélica”.
Em 1966 a IPB tomou posição contra o comunismo e seus adeptos: “SC-66-074 – Pbt. de Castro – Consulta – Doc. XXXIV – Quanto ao Doc. 26 Consulta do PCST sobre atitudes do Presbitério quando tiver obreiro comunista, o SC resolve: 1. Reafirmar ser indispensável a qualquer pessoa que deseja filiar-se à IPB, em especial aos seus oficiais e ministros, a aceitação da Palavra de Deus como única regra de fé e prática, e seus símbolos de fé. Quando qualquer prova se possa fazer contra membro ou membros da IPB de que já não mais aceitam a Palavra de Deus e seus símbolos de fé, por adotarem uma filosofia em choque com os princípios cristãos, no todo ou em parte, a mesma prova deve ser apresentada ao Conselho competente para os devidos fins; 2. Reafirmar a resolução da Assembleia Geral de 1936 que declara: ‘Compete ao cristão obedecer as autoridades legitimamente constituídas e realizar os deveres do cidadão, nunca devendo adotar qualquer ideologia que atente contra os princípios evangélicos da liberdade civil e de consciência e de ordem e paz sociais’”.
E, em 1977, voltou a se posicionar: “CE-77-007 – Atividade da Organização Palavra da Vida – Doc. XLIV – Quanto ao Doc. 40 – Informações do Sr. Presidente referente à Palavra da Vida. A Comissão Executiva do Supremo Concílio, considerando ser ambígua a doutrina implícita, sobre a compatibilidade ética do comunismo russo, marxista, com o cristianismo, esposado pela ‘Organização Palavra da Vida’ conforme publicação oficial feita no Jornal Palavra da Vida em seus artigos ‘Eu chorei na Rússia’ e ‘Cristianismo na Rússia, uma existência inquieta’. Resolve: 1. Recomendar às Igrejas que, mediante doutrinação, aconselhem seus jovens e fiéis a não participarem das atividades da ‘Organização Palavra da Vida’; 2. Recomendar que os Presbitérios e as igrejas não encaminhem jovens nos cursos mantidos pela organização supracitada; 3. Encaminhar a presente resolução à Comissão Especial dos Seminários”.
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Duas dessas respostas foram produzidas durante a época do governo militar, que durou de 1964 a 1985 e quando, diferentemente do que a esquerda alardeia, os grupos de guerrilha comunistas não lutaram contra o governo militar por democracia. Como afirma Elio Gaspari em A ditadura escancarada: as ilusões armadas: “A luta armada fracassou porque o objetivo final das organizações que a promoveram era transformar o Brasil numa ditadura, talvez socialista, certamente revolucionária. Seu projeto não ava pelo restabelecimento das liberdades democráticas. [...] Documentos de dez organizações armadas [...] mostram que quatro propunham a substituição da ditadura militar por um ‘governo popular revolucionário’ (PC do B, Colina, PCBR e ALN). Outras quatro (Ala Vermelha, PCR, VAR e Polop) usavam sinônimos ou demarcavam etapas para chegar àquilo que, em última instância, seria uma ditadura da vanguarda revolucionária. Variavam nas proposições intermediárias, mas, no final, de seu projeto resultaria um ‘Cubão’”.
Aqueles familiarizados com a Confissão de Fé de Westminster e os Catecismos Maior e Breve sabem que estes documentos fazem afirmações doutrinais completamente incompatíveis com o esquerdismo. E não custa lembrar que os clérigos presbiterianos se comprometem publicamente em ser leais à confissão e aos catecismos como fiéis resumos do ensino da Sagrada Escritura em seu ministério. Portanto, somente o desconhecimento das bases de fé da IPB ou da agenda esquerdista pode levar um clérigo desta denominação a tentar uma conciliação entre o esquerdismo e a confissão de fé da IPB.
Para o leitor entender a seriedade com que a fidelidade confessional deve ser encarada por clérigos presbiterianos, recomendo a obra A prática da subscrição confessional, editada por David H. Hall e publicada pela Nadere Reformatie Publicações. E deve-se destacar que os documentos oriundos dos sínodos Central da Bahia, Vale do Aço, Setentrional, Pernambuco e Rio Grande do Norte, que foram enviadas ao Supremo Concílio, pedem que a IPB elabore uma carta pastoral que “apresente a contradição entre marxismo e suas variantes com o cristianismo bíblico”, oriente “os concílios no cuidado para que essas influências advindas de ideologias ateias, pagãs e materialistas não exerçam qualquer papel no pensamento bíblico e confessional que fundamentam nossa visão de mundo” e reafirme as decisões de 1954, 1956, 1966 e 1977.
A Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, por meio da revista da Escola Bíblica Dominical publicada pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus (AD), do segundo semestre de 2018, intitulada “Valores cristãos: enfrentando as questões morais de nosso tempo”, deixou clara a posição política e ética da denominação, ao abordar temas como ideologia de gênero, aborto, sexualidade e política. Na lição sobre esse tema, se lê:
“A Constituição do Brasil outorga ao cidadão plena liberdade de crença e garante o livre exercício dos cultos e liturgias. além da proteção aos locais de adoração [...]. No artigo 19 está definida a separação entre o Estado e a igreja, mas ressalva, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Assim, embora o Estado brasileiro seja laico, ele não é ateu. Desde os primórdios. o ser humano tem a necessidade de cultuar a Deus [...]. Portanto, o Estado não pode negar a natureza religiosa do indivíduo”. E conclui: “Diante do cerceamento de algumas liberdades, a igreja começou a despertar para a realidade política. As mudanças e as transformações sociais am pelo processo político. Por que, então, não eleger candidatos verdadeiramente vocacionados para a vida pública e que reproduzam a moral cristã? Por que não apoiar políticos que rejeitam as leis contrárias aos princípios cristãos? Para tanto, a Igreja precisa ocupar o seu espaço e influenciar positivamente a sociedade”.
Foram órgãos católicos e agências protestantes paraeclesiásticas, atuando à margem da igreja – e muitas vezes contra ela –, que tentaram, por meio de seus líderes, normatizar as relações entre o esquerdismo e a fé cristã
Na introdução da revista afirma-se: “A Igreja de Cristo não deve temer o tempo presente. Da mesma forma, os cristãos do ado eram perseguidos, afrontados e muitas vezes humilhados por causa da fé. Diferentemente daquele tempo – em que a perseguição aos cristãos era física e pública –, hoje a perseguição é ideológico-intelectual. Por isso não podemos desistir de ser sal da terra e luz do mundo”. Esta revista tem sido considerada um marco entre as Assembleias de Deus, por criticar e refutar em linguagem clara e ível a agenda progressista defendida por esquerdistas na atualidade.
Eu poderia citar muitos outros documentos da mesma natureza, de outras denominações, no Brasil e no exterior. Mas, em linhas gerais, fica claro com esses exemplos que os principais ramos da igreja cristã, seja católica, protestante ou pentecostal, rejeitam totalmente qualquer associação entre a fé cristã histórica com o comunismo e suas derivações recentes. Foram órgãos católicos e agências protestantes paraeclesiásticas, atuando à margem da igreja – e muitas vezes contra ela –, que tentaram, por meio de seus líderes, normatizar as relações entre o esquerdismo e a fé cristã, num esforço deliberado de infiltração na Igreja e perversão da fé e tradição cristã.
Mas, como Raymond Aron escreveu em 1955, somente o comunismo criou no homem uma “ilusão da onipotência”, tornando-se assim “o ópio dos intelectuais”. Ele considerava o comunismo “uma versão aviltada da mensagem cristã”, pois, segundo ele, o comunismo “sacrifica o que foi e continua sendo a alma da aventura humana definitiva: a liberdade de pesquisa, a liberdade de controvérsia, a liberdade de crítica e de voto do cidadão. Submete o desenvolvimento da economia a um planejamento rigoroso e a edificação socialista a uma ortodoxia de Estado”. Portanto, Aron corretamente entendeu que “o cristão nunca poderá ser um autêntico comunista, do mesmo modo que o comunista não pode crer em Deus, porque a religião secular, animada por um ateísmo fundamental, declara que o destino do homem cumpre-se todo inteiro nesta terra. O cristão progressista esconde de si mesmo essa incompatibilidade”.