Em política, os termos arrastam muitas ambiguidades. “República” é um bom exemplo. Nada de querer precisão matemática em ciência política. Ciência política, como dirá Aristóteles, consiste na “ciência das coisas humanas”. Ou seja: permeada por ambiguidades e pela impossibilidade de estabelecer classificações unilaterais. Quem diz que a política pode ser medida com como, régua e representada em gráficos e tabelas do Excel não entende nada de política.
Com relação ao conceito de “República”, ele pode ser definido ou como uma forma de istração da coisa pública ou pode ser uma virtude.
Se for uma forma de governo, refere-se não só à boa gestão, como também à forma de constituir os poderes. Sobretudo para dar mais participação ao cidadão, que deve governar direta ou indiretamente segundo os princípios da soberania, da liberdade e da isonomia. Instituições republicanas levam em consideração leis criadas pelos próprios cidadãos. Em uma república, a liberdade deve ser caracterizada como não dominação contra toda forma de sujeição. Nada como estabelecer freios contra o capricho dos poderosos.
As bases antropológicas para a tradição republicana, que depois darão fundamento para a política, são aquelas que pensam o homem como cidadão
Por outro lado, se a república for concebida como virtude, então refere-se à disposição espiritual de se reconhecer como membro de uma comunidade que sabe – tem sabedoria prática para isso – direcionar seus interesses ao “bem comum”.
Historicamente, o republicanismo é anterior ao liberalismo político. Entre gregos, romanos e renascentistas, você encontra, cada um ao seu modo, Aristóteles, Cícero e Maquiavel. Há quem fale até na possibilidade de uma tradição republicana que pode ser sustentada pela filosofia política de Tomás de Aquino. Não sou especialista em Tomas de Aquino, mas sim, a expressão “tomismo republicano” não é contraditória. Não deve ser estranha a filósofos contemporâneos como Jacques Maritain, para dar um exemplo.
Para diferenciar o republicanismo do liberalismo é preciso fazer algumas distinções importantes. Todos sabem que o liberalismo concebe o indivíduo como a categoria privilegiada da experiência política. No liberalismo, o indivíduo é soberano. O antagonismo da ordem liberal diz respeito ao grupo que defende que soberano é o coletivo. Republicanismo não tem nada a ver com essa “polarização” – para usar o termo da moda. A tradição republicana não pensa à luz dos termos “indivíduo” ou “coletivo”. E essa não é a maior batalha civilizacional.
As bases antropológicas para a tradição republicana, que depois darão fundamento para a política, são aquelas que pensam o homem como cidadão. Vale lembrar aqui do Aristóteles: o homem, por natureza, é um ser político. Isto é, que realiza sua vida na polis.
Os republicanos fazem referência ao Bem comum como elemento primordial do fim político em detrimento da satisfação dos desejos individuais. É possível satisfazer os desejos individuais, mas em casa. Nos limites da comunidade doméstica. Por isso, uma das mais importantes fronteiras preservadas pelos republicanos é aquela que separa a vida privada da vida pública, o bem individual do bem comum. Entre a intimidade da casa e a experiência política há uma barreira intransponível que só os tiranos não têm pudor em ultraar.
Para lembrar de Platão, monstruosamente difícil é o exercício que harmoniza a ordem da alma com a ordem da cidade. O que deve ser assunto para próximos textos.