Nesse contexto, o “não ao PT” significava o “sim a Bolsonaro”. Hoje, arrependo-me profundamente desse voto. As razões são bastante simples: com ele, traí minhas convicções e fui condescendente com o que há de pior no jogo político.

Ao votar em Bolsonaro, fui surdo aos apelos da minha própria consciência política e me comprometi com uma agenda tão desastrosa quanto a do petismo

Afirmo que traí o que sempre acreditei no que diz respeito à ética do voto: vote por convicção de consciência e não por medo. Ao votar em Bolsonaro, votei por medo. Medo do PT. Medo da radicalização da esquerda. Foi, e na altura eu pensava, voto útil. Um cálculo pragmático diante do “mal menor”, a despeito de minhas convicções. Assim, fiz vista grossa para o perfil dos reacionários que chegavam ao poder. Curiosamente, uns dias antes de declarar meu voto em Bolsonaro, escrevi o seguinte sobre o voto útil:

No caso do Brasil, a justificativa mais comum para o voto útil tem a ver com a tentativa de frear a ascensão de um ‘inimigo político’. Muita gente com as quais eu converso pretende votar no candidato Jair Bolsonaro para impedir o retorno do PT. ‘Um espectro ronda a América – o espectro do comunismo’. Ou o contrário: vota-se no PT para impedir a ascensão do extrema-direita populista. Noutras palavras: vota-se não por convicção e afinidade ideológica, mas por puro medo. E se tem uma paixão que não é nada boa para política é justamente o medo. O medo infecta toda vida cultural e política, afrouxa as genuínas convicções e instaura o caos.

Ao votar em Bolsonaro, fui surdo aos apelos da minha própria consciência política e me comprometi com uma agenda tão desastrosa quanto a do petismo. O bolsonarismo, hoje, é tudo o que eu mais abomino em política. O voto mais consistente naquele contexto seria o voto nulo. Ou, para ser ainda mais coerente, nem mesmo ter ido votar.

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Para piorar um pouco, em 2016 eu havia publicado A Imaginação Totalitária: os perigos da política como esperança. Para mim, o bolsonarismo é a expressão mais bem acabada desse tipo de imaginação. Tem todos os elementos de crença política missionária. Tudo o que condenei no livro. Por isso, não posso alegar como desculpa que, na época das eleições, eu não tinha as ferramentas intelectuais adequadas para avaliar o fenômeno. Eu sabia muito bem dos riscos, do que estava em jogo. Eu me converti, para mim mesmo, no exemplo vivo daquela fratura entre a vida intelectual e a vida prática.

E cometi esse erro em nome de que, exatamente? Hoje eu sei muito bem.

Parcela considerável dos meus leitores é, em alguma medida, ligada à direita neoconservadora brasileira. Portanto, a outra razão, ainda menos nobre e um tanto mais estúpida, para ter declarado meu voto em Bolsonaro, foi com isso ficar bem entre meus leitores, num temerário cálculo que, hoje tenho certeza, resultou em soma zero. Todos perderam. Eu, porque traí minha consciência. O público, porque teve de mim, naquele momento, menos do que merecia.

Esse é o tipo de erro que, se Deus quiser, só cometi uma vez.