Dessa falsificação, Thiago Amparo pode inferir com tranquilidade que “o maior problema do texto não é ser racista (ele é); é ser supremacista, no tom e no método, pois cria um inimigo imaginário de uma onda antibrancos”. Mas Thiago Amparo leu errado, porque não leu o texto com o mínimo de “caridade hermenêutica”, um verdadeiro princípio de compreensão interpretativa de posições divergentes. Se tivesse lido, não teria reconstruído o argumento de Risério nesses termos. Leu como fundamentalista identitário e demonstrou a tese do próprio Risério.

Risério não disse que “Ninguém precisa ter poder para ser racista”. O que ele escreveu foi literalmente duas coisas a respeito. A primeira sentença é esta: “O dogma reza que, como pretos são oprimidos, não dispõem de poder econômico ou político para institucionalizar sua hostilidade antibranca. É uma tolice. Ninguém precisa ter poder para ser racista, e pretos já contam, sim, com instrumentos de poder para institucionalizar o seu racismo”. A segunda: “O fato é que não dá para sustentar o clichê de que não existe racismo negro porque a ‘comunidade negra’ não tem poder para exercê-lo institucionalmente” (os itálicos são meus). Ou seja: Risério está dizendo que não há necessidade de poder instituído, e não que simplesmente não precisa ter poder.

A reação ao texto de Risério demonstra justamente quão unida é essa “ordem ideológica” no quesito “fingir que nada aconteceu”, como o verdadeiro dogma do fundamentalismo identitário

A construção da premissa 2 apresentada por Thiago Amparo também está errada. A discussão de Risério não é o fato, mas por que ninguém quer saber deste fato. Há uma diferença fundamental aqui, pois Risério assume e demonstra que há fatos alimentados pelo fundamentalismo identitário, sobre os quais a imprensa e a universidade “insistem no discurso da inexistência”. Além disso, Risério foi enfático no combate a toda forma de racismo: “Não devemos fazer vistas grossas ao racismo negro, ao mesmo tempo que esquadrinhamos o racismo branco com microscópios implacáveis. O mesmo microscópio deve enquadrar todo e qualquer racismo, venha de onde vier”.

Sabe o que é mais curioso? Como a reação ao seu texto demonstra justamente quão unida é essa “ordem ideológica” no quesito “fingir que nada aconteceu”, como o verdadeiro dogma do fundamentalismo identitário.