Historicamente, uma parte significativa das democracias modernas seculares tem origem nessa distinção. Não à toa falamos em “Estado laico”, quando laico é usado como adjetivo de um “Estado” (na sua forma política e jurídica) que não se submete às leis de Deus, mas à vontade do “povo” (aqui é laios). Embora deva-se pensar também nas democracias não só como um “sistema político e jurídico”, mas uma forma peculiar em que os indivíduos se relacionarem consigo e com os demais membros de uma nação (ethnos). Nesse contexto, exige-se uma visão de sociedade, de moralidade e de modo de vida.
Devido ao contexto europeu, Rémi Brague traz para a discussão o termo umma, do islamismo. Umma faz apelo à noção de “transcendente” de povo. Nesse contexto de experiência religiosa, “povo” ultraa os indivíduos e os grupos étnicos. É o povo que se constitui ao se submeter ao chamado de Deus cuja lei é a sharia. Nesse caso, a consciência individual não tem mais valor. O que coloca um abismo intransponível do Islã com as democracias seculares modernas, que tiveram suas origens em laos e ethnos.
A “comunidade do povo de Deus” islâmica é determinada pela imposição de uma lei positiva advinda do Livro Sagrado. A unidade orgânica da umma é, ao mesmo tempo, transcendente e política. As democracias ocidentais seculares separam política da religião. De qualquer maneira, gostaria de encerrar com uma pequena provocação: dado o entusiasmo de alguns com a política, que tipo de “povo” nossos políticos julgam representar?