Sobre perplexidades, o Fábio tem me voltado à memória mais do que o normal. Fábio era meu colega de escola, também da equipe de handebol. Por causa dele tive de fazer uma cópia da minha fita-cassete com músicas do Led Zeppelin. Quando ele descobriu que eu tinha uma, emprestou para não mais devolver.
Quando Fábio morreu, não consegui acreditar. Ainda não consigo. Era uma segunda-feira. Estranhamente, o psicólogo da escola esperava na frente da porta a primeira aula começar, com uma cara tensa. Era aula de Inglês, ele pediu a palavra à professora e contou.
No dia anterior, Fábio fazia uma escalada por alguma montanha na Serra do Mar, em grupo. A certa altura (literalmente), um guri do grupo perdeu o equilíbrio e cairia para a morte. Não fosse pelo Fábio, que o segurou pelo braço e o puxou, salvando-o. Entretanto, por alguma lei da física aí que não me interessa saber qual, Fábio acabou trocando de lugar com o guri, despencando.
Lembro da professora de Inglês, cujo nome me escapa, mas acho que era Ada, sendo tomada de surpresa, como todos nós, começando a chorar e se retirando da sala. Um ônibus nos levou ao velório, carregamos o caixão, o Fábio enterrado, voltamos no mesmo ônibus. Todos choramos em algum momento, mas acho que era um choro mais pela incapacidade de lidar com o absurdo da situação do que pela morte em si, cuja ficha ainda não caiu.
Tem dias que me pego querendo pedir a fita-cassete de volta.
* * *
Esta semana uma dessas brincadeiras de rede social pedia para cada um postar qual teria sido o disco perfeito lançado quando você tinha 16 anos. 1992, no meu caso. Acho que foi o ano em que o Fábio emprestou minha fita. Ele morreria no ano seguinte.
Entrei na brincadeira, saí a pesquisar os discos daquele ano. Mal comecei, já tinha minha resposta: Automatic For The People, do R.E.M. Como escutava esse CD, mais do que aquela fita. Dormia escutando Find The River no repeat.
Lembrei que quando o corpo de Kurt Cobain foi encontrado, este CD estava no seu aparelho de som, ainda ligado. Foi provavelmente a última coisa que escutou antes de dar um tiro na cabeça.
Se Marx tem razão quando disse que a história acontece como tragédia e depois se repete como farsa, é de se concluir que a tragédia ainda não terminou
O disco tem por tema a morte, com algumas músicas tratando de suicídio. Na que ficou mais famosa, Everybody Hurts, Michael Stipe canta: “When you’re sure you’ve had enough / Of this life, well hang on” (“Quando você tiver certeza de que não a mais esta vida, aguente firme”).
Aqui, o puxão pelo braço não salvou a vida do que estava caindo.
* * *
Lembro da morte do Fábio sempre que vejo defensores de acordos de paz com terroristas.
Será que ainda demora muito para vivermos a história como farsa?