Primeiramente, liberdade de expressão é algo que não existe em nuances. Ou você é livre para dizer tudo o que quiser – ciente de que arcará com as consequências caso suas palavras sejam criminosas – ou você não é livre e ponto. A consequência criminal e jurídica do seu discurso não tolhe sua liberdade, já que você tem o direito de falar, e esse direito encosta no direito das outras pessoas de serem respeitadas em sua honra e reputação. Censura, no entanto, é algo inaceitável. É proibir que alguém fale, que alguém expresse publicamente suas ideias. A censura é o instrumento mais comumente presente nos regimes totalitários que já existiram na história humana. Calar os oponentes sempre foi e sempre será o primeiro objetivo de um déspota.

Em segundo lugar, o direito a empreender não pode se sobrepor à liberdade de expressão, assim como não pode se sobrepor à igualdade racial e a nenhum outro direito fundamental do homem. O discurso raso e infantil que está se alastrando nas mídias sociais é o de que as plataformas de comunicação são empresas privadas que têm o direito de restringir quem quer que queiram. Esse argumento é tão ridículo que chega a ser inacreditável que pessoas adultas e com um mínimo de formação intelectual o entendam como válido. Ora, se Twitter e Facebook podem banir usuários somente porque suas ideias diferem das concepções mais comuns em vigência, poderiam as empresas aéreas, os restaurantes, os supermercados e as lojas de roupa, por exemplo, banir alguém pelo mesmo motivo? Se sua resposta for “sim”, o mundo que você almeja não a de uma distopia das mais macabras. Afinal, basta que você pare de pensar dentro do que for estipulado como “normal” para que seu nome seja incluído em alguma lista de expurgo.

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Por fim, quero tratar especificamente da legislação que favorece Twitter, Facebook, Google e afins, protegendo essas empresas de uma miríade de processos judiciais que as impediriam de existir. A seção 230 da Lei de Telecomunicações de 1966, um pequeno texto de apenas 26 palavras, dá imunidade a qualquer pessoa ou empresa que replique conteúdo de terceiros na internet. Essa imunidade foi e continua sendo essencial para que a internet seja uma zona livre. Ela subentende, no entanto, uma contrapartida: que a parte a publicar a informação não aja como um editora de conteúdo. O que Twitter e Facebook fizeram com Donald Trump – e com muita gente menos famosa que ele nos últimos anos – foi justamente agir como editores, dizendo quem pode e quem não pode falar por suas plataformas, e restringindo o que pode e o que não pode ser dito. A regra, nesse caso, é clara: se você editar cada um dos seus usuários, tratando-os individualmente, ará a ser responsável pelo conteúdo que publica. Você está filtrando, adicionando avisos, favorecendo um ponto de vista em detrimento de outro. Você agora é muito mais parecido com um jornal que com uma empresa de telefonia. Deixou de transportar informação para escolher o que informar. Sua imunidade precisa acabar.

No ano ado, alguns perfis brasileiros de Twitter foram desativados. Estavam na lista gente como Allan dos Santos e Bernardo Küster, dois influenciadores aos quais já teci inúmeras críticas, e cujas opiniões sobre o governo Bolsonaro são diametralmente opostas às minhas. Na época do ocorrido, no entanto, deixei claro que achava aquilo um exemplo de censura condenável. Alguns amigos e seguidores fizeram chacota com minha posição. Disseram que estavam felizes demais, comemorando, e que depois pensariam se aquilo era ruim ou não. A coisa não parou de acontecer. Todos os dias, perfis de gente que fala o que Jack Dorsey e Mark Zuckerberg consideram errado são calados em suas redes, ao mesmo tempo em que perfis de criminosos, ditadores e assassinos são mantidos intactos. E todos os dias tem gente que se diz apreciadora da liberdade aplaudindo esses atos de censura.

No fim das contas, parece que a liberdade é um conceito elevado demais para muita gente. Basta uma pequena afronta às suas opiniões pessoais para que cerrem fileiras com censuradores. Como disse no início, sua sede de vingança e seu nojinho seletivo valem mais que um princípio fundamental. Quando também forem calados, será tarde demais.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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