Em maio do ano anterior, o ministro espanhol de Relações Exteriores, Francisco Fernández Ordóñez, já se havia encontrado com Gorbachev em Moscou, e lhe dito que “o sucesso da Perestroika significava o sucesso da revolução socialista nas condições contemporâneas” e que, portanto, “o sucesso das ideias do socialismo na comunidade mundial contemporânea depende do sucesso da Perestroika”.

Já no encontro em Madri, as palavras dirigidas por Felipe González a Gorbachev foram as seguintes:

“Hoje, a essência da Revolução, que ocorre no mundo, é o movimento da Comunidade Mundial Unida. Devo dizer que análises ideológicas e políticas confusas como as que fizemos por muitos anos – e, em alguma medida, pelas quais somos todos responsáveis – fizeram um fetiche da oposição entre capitalismo e socialismo (...) Hoje, chego a uma conclusão assaz estranha. Desde que chegamos ao poder, tenho lutado com meus camaradas de partido para fazê-los entender que a economia de mercado é o melhor instrumento para alcançarmos os nossos principais objetivos”.

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Nessa época, já havia também uma avaliação geral entre os membros da Nomenklatura soviética de que, ao contrário do que Gorbachev escrevia ou falava em público, o regime chegara a um ime, uma crise estrutural que afetava especialmente as searas da economia e da tecnologia. É como se os líderes soviéticos tivessem chegado à conclusão de que a “base econômica” (para usar o vocabulário marxista clássico) tornara-se estreita para suas ambições globais, e que, a partir de então, seria preciso recorrer ao grande potencial do “inimigo de classe” nesse terreno.

Após complexos debates e negociações, as lideranças soviéticas e os socialistas europeus chegaram à conclusão de que, se o processo de integração da Europa (e talvez do mundo) era inevitável, fazia-se necessária a criação de uma frente ampla de esquerda (incluindo comunistas, socialistas, anarquistas e socialdemocratas) para exercer controle sobre o processo. Foi nesse contexto que, em 26 de novembro de 1988, o presidente francês François Mitterrand encontrou-se a portas fechadas com Gorbachev em Moscou.

Os globalistas do Ocidente descobriram que a centralização comunista de poder e o capitalismo de compadrio praticado na URSS eram o melhor meio para a conquista de monopólio

Entre baforadas de cigarro e talagadas de vodca, os camaradas conversaram sobre as possibilidades de convergência entre as perspectivas ocidental e soviética sobre integração. Mitterrand enxergou na ideia de “Casa Comum Europeia” algo próximo de suas próprias concepções de um pan-europeísmo. O presidente francês defendia os laços entre a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e o Conselho de Assistência Econômica Mútua (Comecom). Se a URSS prometia acrescentar um “rosto humano” ao seu socialismo, por que a Europa não poderia adicionar um pouco de socialismo ao seu velho humanismo? Disse Mitterrand a Gorbachev:

“Parece-me que, em se tratando de direitos individuais, a prática existente nos países ocidentais parece mais perfeita do que a respectiva prática na União Soviética. Por outro lado, no que concerne aos direitos coletivos, especialmente nos países desenvolvidos industrializados, o Ocidente como um todo provavelmente terá de se esforçar muito nessa direção. Refiro-me ao direito ao trabalho, e assim por diante.”

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Estabelecia-se ali uma espécie de pacto tácito entre a Nomenklatura soviética e a social-democracia europeia em torno da proposta de uma convergência para um mundo pós-Guerra Fria. Pode-se dizer que, se as lideranças soviéticas concluíam que o comunismo precisava do know-how tecnocientífico e econômico do Ocidente, a elite globalista ocidental, por sua vez, fascinara-se com a “tecnologia” de controle político-social, bem como de homogeneização das consciências, desenvolvida pelos soviéticos.

Concluiu-se comumente, portanto, pela necessidade de uma síntese entre o dinamismo econômico do capitalismo liberal e a expertise comunista de controle social e imposição de consenso público. Se, como disse González a Gorbachev, os comunistas haviam percebido que a economia de mercado era o melhor meio para avançar a causa socialista, os globalistas do Ocidente descobriram que a centralização comunista de poder e o capitalismo de compadrio praticado na URSS eram o melhor meio para a conquista de monopólio. Na semana que vem, abordaremos a questão na parte final desta série.