Sim, o leitor não leu errado. Foi exatamente essa a proposta que, em 1953, o presidente da Fundação Ford itiu para um investigador do Congresso norte-americano: uma fusão dos EUA com a União Soviética. Para a maioria das pessoas, essa informação é, decerto, chocante. Mas, antes que aberrante e excêntrica, a sugestão de uma possível convergência entre as duas potências do pós-guerra foi sempre abertamente aventada nos altos círculos do governo americano e também no Politburo soviético.

Ainda no auge da Guerra Fria, o tema inseria-se no projeto de uma nova ordem mundial – o projeto globalista –, em que as nações abdicariam de suas soberanias, incluindo (talvez sobretudo) o poderio militar, em favor de organizações supranacionais, como a ONU, a Unesco e a OMS. A ideia de desarmamento, tanto civil quanto militar, foi sempre parte crucial desses projetos, e não por acaso. Evidentemente, não há como enfraquecer soberanias nacionais sem enfraquecer militarmente as nações.

Há vários registros dessas discussões dentro do governo americano. Em fevereiro de 1961, por exemplo, na época em que o então presidente JFK lançou sua campanha pelo desarmamento, seu secretário de Estado, Dean Rusk – membro do Council on Foreign Relations (CFR), o famoso think tank globalista americano –, contratou um instituto de pesquisa chamado Institute for Defense Analyses (IDA), a fim de preparar um estudo sobre desarmamento e governo mundial. Em 1962, o IDA lançou um memorando (Study Memorandum 7) intitulado “Um mundo efetivamente controlado pelas Nações Unidas”, escrito por Lincoln Bloomfield, também membro do CFR e pesquisador do Massachusetts Institute of Technology (MIT), um homem cujas relações com o Departamento de Estado eram estreitas.

Em 1953, o presidente da Fundação Ford itiu para um investigador do Congresso norte-americano a intenção de uma fusão dos EUA com a União Soviética

O relatório do IDA é interessantíssimo, sobretudo porque nele Bloomfield exprime-se com honestidade, sem apelar para os eufemismos habituais da retórica diplomática, onipresentes nos documentos redigidos por defensores da nova ordem mundial. Só o texto de abertura já bastaria para cobrir de ridículo todo aquele ignorante para quem o globalismo – a ideia de um governo mundial – não a de “teoria da conspiração”:

“O mundo efetivamente controlado pelas Nações Unidas é um mundo no qual o ‘governo mundial’ surgirá do estabelecimento de instituições supranacionais, caracterizadas por uma participação obrigatória e abrangência universal, bem como por alguma habilidade para empregar força física. O controle efetivo implicaria, portanto, uma preponderância do poder político nas mãos de uma organização supranacional, e não em unidades nacionais individuais, e assumiria a operação efetiva de um acordo de desarmamento geral. Embora essa organização supranacional – as Nações Unidas – não seja necessariamente a organização que existe agora, a presente Carta das Nações Unidas poderia teoricamente ser revisada de modo a erigir uma tal organização, condizente com a tarefa contemplada, produzindo, desse modo, um rearranjo radical do poder no mundo”.

Em outro trecho, o autor, professor Bloomfield, afirma o seguinte:

“A noção de um ‘mundo controlado pela ONU’ é hoje tida por fantástica (...) Cientistas políticos geralmente ficam desesperados e dão saltos quânticos sobre a ideia de ordem mundial, tida por utópica e desconectada das realidades políticas. Mas mentes arejadas da vida militar, científica e industrial, ao focarem na cada vez mais irracional corrida armamentista, têm frequentemente concluído que a lógica do governo mundial – e é de governo mundial que estamos falando aqui – é inescapável.”

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Note-se que a ideia de “governo mundial” é manifesta com todas as letras. O autor cita ainda um discurso de Christian Herter, secretário de Estado do presidente Eisenhower, proferido em 18 de fevereiro de 1960 no National Press Club. Segundo Bloomfield, Herter defendia a criação de regras universalmente aceitas e apoiadas por uma corte internacional com meios efetivos de imposição (“por forças armadas internacionais”) e o desarmamento propriamente dito, “até o ponto em que nenhuma nação individual ou grupo de nações possam oferecer oposição efetiva a essa imposição do direito internacional pelo maquinário internacional”. Comentando sobre a declaração, diz Bloomfield:

“Aqui, então, está a base, na recente da política americana, da noção de um mundo ‘efetivamente controlado pela ONU’. Não foi explicitado, mas a posição dos Estados Unidos tinha um sentido inequívoco, não importa por qual nome, de um governo mundial, suficientemente poderoso em qualquer momento para manter a paz e impor seus julgamentos”.

A seguir, como se ainda não tivesse ficado suficientemente claro, Bloomfield faz questão de precisar o significado de cada um dos termos usados no título do relatório:

“‘Mundo’ significa que o sistema é global, sem exceção à sua ordem: a pertença é universal. ‘Controlado efetivamente’ denota atributos de governo – um monopólio relativo do uso da força física no centro do sistema, e, portanto, uma preponderância do poder político nas mãos de uma organização supranacional em lugar de unidades nacionais individuais. ‘As Nações Unidas’ não são necessariamente a organização que existe agora. Em teoria, um rearranjo radical do poder no mundo poderia ser codificado mediante revisão da Carta da ONU existente (como no Plano Clark-Sohn); ou uma nova constituição poderia ser desenhada. Finalmente, para evitar o eufemismo sem fim e a verborragia evasiva, o regime contemplado será referido ocasionalmente de forma desavergonhada como um ‘governo mundial’”.

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Bloomfield repisa os pontos essenciais do projeto. Um deles é que “o desarmamento nacional é uma condição sine qua non para o controle efetivo da ONU”. Sem o desarmamento dos países, esse controle não é possível. Além disso, “o ponto essencial é a transferência do elemento mais vital do poder soberano dos Estados para um governo supranacional”. Ainda segundo o autor, “o fato central acachapante seria a perda de controle do seu poder militar pelas nações individuais”.

Lembro ao leitor mais uma vez: o documento “Um mundo efetivamente controlado pelas Nações Unidas” foi preparado pelo IDA por encomenda do Departamento de Estado americano. E, como veremos no artigo da semana que vem, o governo americano continuou promovendo estudos nesse sentido, muitos dos quais falando abertamente em desarmamento internacional e fusão com a União Soviética.