Ou esse: “Dessa hipótese se valem os comunistas para defender e propagar seu materialismo dialético e arrancar das almas toda noção de Deus. As falsas afirmações de semelhante evolucionismo pelas quais se rechaça tudo o que é absoluto, firme e imutável, vieram abrir o caminho a uma moderna pseudofilosofia que, em concorrência contra o idealismo, o imanentismo e o pragmatismo, foi denominada existencialismo, porque nega as essências imutáveis das coisas e não se preocupa mais senão com a ‘existência’ de cada uma delas”.

Ou esse outro: “O magistério da Igreja não proíbe que, nas investigações e disputas entre homens doutos de ambos os campos, se trate da doutrina do evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva preexistente (pois a fé nos obriga a reter que as almas são diretamente criadas por Deus)… Porém, certas pessoas ultraam com temerária audácia essa liberdade de discussão, agindo como se a própria origem do corpo humano a partir de matéria viva preexistente fosse já certa e absolutamente demonstrada pelos indícios até agora achados e pelos raciocínios neles baseados, e como se nada houvesse nas fontes da revelação que exigisse a máxima moderação e cautela nessa matéria”.

A partir do século 19, os bem-pensantes fizeram com Darwin aquilo que, no século 18, os iluministas haviam feito com Newton

Resumindo, ali onde Pedro Dória viu endosso puro e simples, há, na verdade, uma complexa abertura do espírito que, por óbvio, não dispensa o ceticismo e a prudência.

Pio XII alertava particularmente para a tendência intelectual de inflacionar metafisicamente a teoria da evolução das espécies, convertendo-a numa cosmovisão total, e extraindo-lhe implicações filosóficas, religiosas e políticas que, em si mesma, ela jamais poderia suscitar. Pois, a partir do século 19, os bem-pensantes fizeram com Darwin aquilo que, no século 18, os iluministas haviam feito com Newton: mobilizar e popularizar suas ideias, conferindo-lhes um sentido ampliado, e usando-a como martelo contra a tradição religiosa de seu tempo.

Embora tendo como base a biologia evolucionista de Darwin, o darwinismo rompeu-lhe os limites, transformando-se numa das mais poderosas ideologias da era contemporânea, ideologia que, diferente de uma teoria científica, não pode ser questionada ou profanada com dúvidas impertinentes. Toda análise sobre o darwinismo deve, portanto, começar por separar o que há nele de ciência e o que há de metafísica e pseudorreligiosidade. O artigo de hoje será dedicado ao primeiro aspecto, ele próprio já demasiado complexo e controverso.

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Para começar, o próprio termo “darwinismo” designa um vasto conglomerado de ideias e sentimentos que, apesar de haver surgido com Darwin, ultraa em muito a sua pessoa e a simples noção de evolução biológica. Trata-se de expressão de sentido eminentemente histórico, pois a biologia evolucionista transformou-se tanto desde a publicação de A Origem das Espécies, tomando inclusive direções opostas às da teoria original, que o recurso à palavra “darwinismo” para caracterizá-la equivale ao emprego de “copernicanismo” para se referir à cosmologia contemporânea.

Pio XII havia intuído corretamente. Quando o assunto é apenas a ciência da evolução, e como é natural em toda teoria científica, a hipótese original de Darwin deixou buracos, expôs-se a questionamentos importantes e sofreu reveses imprevistos (como, por exemplo, o retorno do lamarckismo, que parecia ter sido enterrado definitivamente por Darwin, mas que, hoje, a epigenética ressuscita).

Stricto sensu, o livro A Origem das Espécies não versa sobre a origem das espécies, mas sobre processos adaptativos que atuam sobre espécies já originadas. Como escreve o biólogo e matemático Brian Goodwin no livro How the Leopard Changed Its Spots: “A origem das espécies – o problema de Darwin – permanece sem solução”.

Toda análise sobre o darwinismo deve, portanto, começar por separar o que há nele de ciência e o que há de metafísica e pseudorreligiosidade

No que tem de propriamente científica – ou seja, sujeita à experimentação empírica –, a teoria da evolução das espécies consiste na análise da seleção natural operando ao nível intraespecífico, como no famoso caso das variações observadas na forma dos bicos dos tentilhões das ilhas Galápagos – o melhor registro empírico da seleção natural, mas que, todavia, não parece dar conta da variação interespecífica.

Em si mesma, a observação de variações adaptativas no interior de uma espécie (ou mesmo dentro de um gênero) não fornece evidências empíricas para a hipótese mais geral da teoria da evolução, a saber: a de que, por exemplo, um protozoário ou uma ameba possa, com o ar do tempo, ter originado um ser humano por meio da seleção natural. Ao contrário do que ocorre com a lei da gravidade ou a teoria da relatividade, não é possível observar o princípio da seleção natural operando nesse nível, a partir do qual, portanto, a teoria da evolução depende de “uma certeza sobre coisas que se esperam, uma convicção naquilo que não se vê” – que, como se sabe, é a definição bíblica de fé (Hebreus 11,1).

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