Aquele desprezo nunca deixava de se expressar em atos políticos. Como quando, em conhecida diretiva às autoridades bolcheviques da província de Penza, onde camponeses (“kulaks”) se insurgiram contra a política de confisco de grãos, Lenin ordenou: “O levante deve ser reprimido de maneira inclemente. Devemos dar o exemplo. Enforquem publicamente não menos do que uma centena de kulaks, homens ricos e sanguessugas. Divulguem os seus nomes. Confisquem-lhes todos os grãos. Façam de tal modo que, num raio de centenas de quilômetros, as pessoas vejam, tremam, saibam e gritem: estão estrangulando, e irão estrangular até a morte, os sanguessugas kulaks”.

Nota-se claramente que, em seu imperativo genocida, nazismo e comunismo são “gêmeos heterozigotos”, como se exprimiu Pierre Chaunu, ou “as duas faces de Janus”, como preferiu A. James Gregor. Inerente a ambos os totalitarismos é o método do extermínio por categoria. Nesses regimes, as pessoas não eram punidas por algo que tivessem feito, mas por aquilo que eram – um judeu, um eslavo, um burguês, um kulak. Para a construção da sociedade futura, esses representantes do “Velho Homem” deveriam ser eliminados, não sem antes ar por um processo prévio de desumanização. O jargão desumanizador era, aliás, bem similar em ambos os regimes. Hitler declarou sobre os judeus: “Já não são seres humanos. São animais. Nossa tarefa não é, portanto, humanitária, mas cirúrgica. Caso contrário, a Europa perecerá sob a doença judia”. Algo parecido ao que Lazar Kaganovich, braço direito de Stalin, disse sobre os inimigos do Estado soviético: “Pensem na humanidade como um grande e único corpo, mas que, periodicamente, requer algum tipo de cirurgia. Ora, eu não preciso lembrá-los de que não se faz uma cirurgia sem cortar membros, destruir tecidos e derramar sangue”. Discurso bonito? Igualdade? Fraternidade? Só na cabeça de pseudointelectual de miolo mole...

É por nunca ter seus crimes eviscerados como o foram os crimes nazistas que, embora forte e vigoroso até os dias de hoje (haja visto o exército de propagandistas a declarar que ele nem mais existe), o comunismo seja ainda tratado como movimento político legítimo. É por isso que, enquanto não nazistas são punidos por associações forçadas, baseadas em gestos e palavras incertos, comunistas confessos podem defender abertamente os métodos de Lenin e Stalin e, ao mesmo tempo, limpar a própria sujeira na adesão ao linchamento de nazistas de faz-de-conta. A mesma parlamentar comunista que, com toda a tranquilidade, e sem que nenhuma consequência se lhe advenha, exalta a “fogueira” de Stalin celebra a demissão do “nazista” Adrilles Jorge. Se o YouTuber destrambelhado tem a vida e a carreira arruinadas por conta de palavras mal ditas, o influencer orgulhosamente stalinista, que defende a execução de liberais e conservadores, é tranquilamente convidado para um programa de entrevistas na maior emissora do país. Assim é porque, como Besançon resumiu magistralmente, “cada experiência comunista recomeça na inocência”.

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Por fim, eis agora aquilo que menos importa, mas que não me furtarei a dar: minha opinião sobre o caso Monark, sujeito de quem, até então, jamais ouvira falar. Como já disse, acho absurdo, canalha mesmo, extrair daquela sua fala inconsequente a conclusão de que ele é um nazista ou apologista do nazismo. Por outro lado, diferentemente dele, sou totalmente contrário à proposta de tornar legal a organização de um partido nazista no Brasil. E não o faço pelas frágeis razões popperianas tantas vezes alegadas nesse tipo de debate (acho Karl Popper, aliás, um autor superestimado). Não recorro, pois, ao famigerado “paradoxo da tolerância”, segundo o qual não se pode tolerar os intolerantes. Ao contrário do que sugere a doutrina liberal/libertária da “sociedade aberta” – da qual Monark parece ser entusiasta –, a política não é arena para o mero confronto de ideias, mas para a disputa por poder. Não estaríamos, pois, falando de simples liberdade de expressão, mas de associação. Eis por que as coisas sejam um tanto mais complicadas...

Um partido político não é um clube de debates, mas uma organização que mobiliza pessoas a fim de impor certas vontades políticas, seja por meio de pressão exercida pela militância, seja por via da ocupação de algum cargo eletivo. Diferentemente do que se a nos EUA – onde a sociedade civil tem mais ingerência sobre o processo de associação política –, os partidos políticos brasileiros gozam de excessivos privilégios institucionais, legais e financeiros, sendo bancados pelo Estado (leia-se, por todos os “contribuintes”). No caso da hipotética legalização e institucionalização de um partido nazista, teríamos o financiamento público de um movimento político que tem na proposta do genocídio de “raças inferiores” sua ideia-mestra e razão de ser.

O Brasil jamais deveria permitir a fundação, organização e manutenção de um partido nazista. E, na minha opinião, isso deveria servir também para o comunismo, movimento que também é essencialmente criminoso e genocida

Uma coisa é discutir em abstrato a possibilidade – já em si mesma repulsiva, para a maioria de nós – de se garantir a liberdade de expressão individual para eventuais simpatizantes do nazismo (se é que eles existem). Outra bem diferente é permitir que esses indivíduos hipotéticos se associem e se integrem à vida política regular do país, podendo eventualmente fazer leis, aprovar projetos, mobilizar militantes, fazer barulho. No caso de um partido nazista, não haveria como distinguir entre atividade política e atividade criminosa, e, portanto, o que o Estado acabaria por chancelar é uma organização político-criminosa.

Portanto, o Brasil jamais deveria permitir a fundação, organização e manutenção de partidos com esse tipo de ideologia e agenda. Isso serve para o nazismo. E, a meu ver, deveria servir também para o comunismo, movimento que, como vimos, também é essencialmente criminoso e genocida, como criminosos e potencialmente genocidas são todos e quaisquer partidos nele inspirados. Que, numa democracia disfuncional como a nossa, internamente corroída pela presença hegemônica de uma cultura política filocomunista, esses crimes sejam negados, perdoados ou mesmo glorificados, não significa que sejam menos criminosos. Daí que a foice e o martelo, em vez de desfilar livremente no peito dos jovens desavisados, deve ocupar o mesmo lugar que o da suástica, sua parente próxima: a lata de lixo da história. E que, sempre juntas (como no pacto Molotov-Ribbentrop), as duas nunca mais saiam de lá!