dizendo que, a partir de agora, “teremos praticamente de recriar as visões de regime democrático”. Segue dizendo sobre o “próprio conceito de nação”, ao dizer que o conceito de pátria remete a “pai”, a “autoridade centrada”, o que seria algo ruim, que deveria ser trocado pelo conceito de nação como uma “comunidade de destinos”. A ideia dele é de “reconstruir coisas a partir do zero” – numa noção já conhecida como “terra arrasada”: nada do que o predecessor fez é digno de nota e, por uma visão de mundo absolutamente incompatível (alertamos bastante disso por aqui) com a propalada por “eles”, precisamos recriar a roda.
Ele segue dizendo que a atuação da esquerda quanto às igrejas neopentecostais deve ser “de baixo pra cima”, fazendo uma autocrítica sobre o governo ado, em que o relacionamento do governo petista se dava com as cúpulas. Assim como nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica da década de 1970, agora o alvo são comunidades, fiéis e pastores que estão nos mesmos ambientes. Vejam, a conversa é teológica – uma tentativa de infiltrar para conquistar desde dentro, “para fazer a disputa”.
Assim como nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica da década de 1970, agora o alvo do PT são comunidades, fiéis e pastores que estão nos mesmos ambientes
Vai ser um festival de dialética marxista travestida de “paz e amor”. Oposição entre pastores locais e seus líderes denominacionais. A eterna oposição entre “oprimidos” (pastores subordinados) e “opressores” (líderes religiosos inescrupulosos), em que aqueles precisam ser libertados das amarras – teológicas e institucionais – impostas por estes. Isso soa familiar para você?
Genoino segue citando seus heróis, como Antonio Gramsci, e a tática de infiltração de “grupos de estudo” nas comunidades católicas da Itália – o que foi reproduzido aqui também. Em sua visão da história sempre a partir dos ciclos econômicos, o propalado respeito à visão espiritual de mundo vai para o espaço em poucas (e assustadoras) palavras de uma das maiores influências do partido cujo governo está por vir no Brasil.
E aqui vem o núcleo. Em determinado momento, Genoino diz que “governar o Brasil a partir do que aconteceu em 2016 não é um céu azul, não é conciliação, mas é a partir de conflitos democráticos”. Coloca a sua luta como uma “disputa democrática” no nós, e coloca o termo “guerra” no eles.
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A tática do conflito é o chamado “debate”. Debater em todas as instituições, “democratizar” através do controle público, todo um vocabulário já batido e que voltará a grassar as manchetes, textos e vídeos nos próximos anos.
São muitos os temas, que desdobram várias verticais. Genoino adentra o tema das igrejas mais propriamente como um “inimigo político” (guardem o termo “inimigo”) porque, em sua visão – de uma certa forma acertada –, é a “primeira vez que a esquerda enfrenta uma direita que tem base social de massa”. Entende, ainda, que o combate será feito a uma “tríplice aliança: do terço, da arma e do capital”. O petista reconhece que há uma força política real e opositora à cultura hegemônica que a esquerda normalmente trabalha. Há, portanto, um confronto aberto em formação, o que deveria ser objeto de grande cuidado do futuro governo.
Os termos ouvidos ali foram “regulação”, “taxação”, “restrição”. E, em determinado ponto da conversa, a pergunta é se a questão da Igreja não teria que ser regulada. Em um exemplo prático de “regulação”, a participante questiona se as igrejas não deveriam pagar impostos. Formas de o Estado poder ditar como uma igreja deveria se comportar sob pena de a mão forte pesar por meio de veículos como os impostos – mesmo sendo a imunidade tributária religiosa cláusula pétrea entre nós.
A proposta de José Genoino é fazer mudanças sutis em conjuntos amplos, para mascarar as intenções de reprimir liberdades como a de expressão e religiosa
Genoino responde rapidamente dizendo que “nós temos de tratar institucionalmente este problema”. São frases curtas e, novamente, assustadoras. As instituições – agora geridas por eles – deverão tratar do fenômeno religioso como um “problema”. E arremata que isso deve ser feito com muita habilidade para que não possam dizer que estão perseguindo as igrejas. A receita é, então, fazer este enfrentamento de maneira equilibrada, aos poucos, de forma fluida, diluindo o tema em projetos de lei abrangentes e difusos o suficiente para que não possam parecer um combate direto.
O petista pensa em fazer inovações legislativas sobre o sistema tributário, também taxando os meios de comunicação, como no caso da imunidade tributária sobre o papel. Uma “reforma agrária no ar” para depois chegar “na terra”: fazer mudanças sutis em conjuntos amplos, para mascarar as intenções – aqui confessas – de reprimir liberdades como a de expressão e religiosa. Enfim, será que já querem calar a Igreja?
É de lembrar que José Genoino foi o único deputado constituinte de 1988 que pediu expressamente para que não constasse no preâmbulo da Carta o termo “sob a proteção de Deus”. Até Roberto Freire, ateu, disse que a expressão era condizente com o espírito da sociedade brasileira (os debates sobre o assunto estão registrados nos anais do Congresso). Não, leitores, nada é de graça. Vem muita água por baixo dessa ponte.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos