É nos municípios, mormente nos menores municípios do interior, que é possível haver boa istração. A centralização excessiva é um crime que foi sendo feito contra o Brasil desde o tempo do Ato Adicional da Constituição de 1824. Nela tentou-se implantar um saudável municipalismo, que se fosse implantado hoje ajudaria tremendamente o país. Até mesmo o juiz local seria, pela Constituição, um cidadão comum, eleito por seus conterrâneos.
O município, especialmente o pequeno município, é o único lugar em que a política verdadeira acontece, sem que ela se perca em delírios multitudinários, em acusações delirantes na Justiça, em fenômenos de massa que na verdade representam apenas a sede de representação real do povo brasileiro. Um deputado estadual ou federal “representa” tanta gente que, na verdade, não representa ninguém. Um prefeito de megalópole ou um governador de estado estão na mesma situação. Já um vereador de cidade pequena é conhecido de seus conterrâneos, para o bem e para o mal. O prefeito é alguém que anda na rua como todos os demais, que toma café na padaria, que encontra a cada dia seus eleitores e os eleitores de seus opositores no pleito.
Um vereador de cidade pequena é conhecido de seus conterrâneos, para o bem e para o mal. O prefeito é alguém que anda na rua como todos os demais
A política em grande escala deixa de ser política real, deixa de ser verdadeiramente representativa, e se torna uma luta publicitária travada com slogans inanes e fortunas incomensuráveis. Estas, por serem necessárias (afinal, só os gastos de transporte de um candidato a deputado estadual ou federal, ou a governador, são forçosamente absurdos), geram mais e mais corrupção, “caixas dois” (e três, e quatro), e tudo o que há de pior na política nacional. Já no pequeno município, onde todos conhecem a todos, os candidatos são pessoas reais, concorrendo contra outras pessoas reais. Não há slogans publicitários ou, se os há, não são eles que importam. Figuras folclóricas são eleitas, mas são julgadas de acordo com seu desempenho, não pelas outras "n" razões dos votantes em eleições gigantescas.
Em Areal mesmo, por exemplo, tivemos alguns casos absurdos. Um prefeito disse que “com minha fé e suas fezes, construiremos um Areal novo”. O mesmo pafúncio declarou que, sob sua istração, “Areal vai ficar gegê, ‘ha-ha’”. É um palhaço? Certamente. Mas o povo pôde acompanhar seu desempenho, que foi surpreendentemente bom, e ele foi reeleito. Já numa eleição multitudinária como nas cidades grandes ou nas eleições proporcionais estaduais e federais, os palhaços que se elegem – Alexandre Frota por alguma razão me vem à cabeça – representam na verdade um voto de protesto contra a falta de representação real, e não mais que isso. Clodovil foi um dos deputados mais votados da história pátria, e parece que afinal foi um bom deputado. Mas ouvi, com estes ouvidos que a terra há de comer, um seu eleitor declarar que “votei no Clodovil porque quero ter certeza de que pelo menos um político está tomando no […]!”.
E é esta a situação dos grandes centros, dos grandes municípios. A política acabou neles, tornou-se mero campo de debate de ideologias vazias ou, pior ainda, de escolhas de males menores. Os candidatos são desconhecidos, assim como os es; só o que deles se conhece é uma persona publicitária, mais falsa que nota de três reais. Ninguém chega perto de um prefeito de megalópole. Ninguém sabe o que ele gosta de tomar no café.
O certo seria o contrário: dividir os municípios, levar a istração o mais próximo possível do cidadão, e deixar com eles o grosso do butim dos impostos
A solução para enorme parcela dos problemas istrativos do Brasil seria devolver às instâncias mais próximas do cidadão – especialmente o município, e especialmente o pequeno município – o poder que de direito lhes pertence e foi tomado à força pelas mais altas, na louca centralização que transformou a istração do Brasil num problema insolúvel. Não é possível que seja em Brasília que se trate da construção de uma ponte sobre um riacho em Santana do Deserto ou Pato Branco. Não faz sentido algum que o dinheiro dos munícipes tenha de ir para Brasília para depois voltar, neste trajeto engordando enorme quantidade de funcionários cuja função é apenas estar no caminho do dinheiro.
O certo seria o contrário: dividir os municípios, levar a istração o mais próximo possível do cidadão, e deixar com eles o grosso do butim dos impostos. Não faz sentido que a Posse dos Carneiros esteja subordinada istrativamente a uma prefeitura tão longínqua que não duvido haja nela quem não saiba da existência do distrito. Os municípios deveriam ser divididos, idealmente de forma tal que o número de habitantes de cada um deles jamais asse dos cinco dígitos. Isto deveria, inclusive, ser feito nas megalópoles, com eleições diretas para os que hoje são subprefeitos, e com a parte maior dos impostos ali coletados indo para essas ex-subprefeituras. No máximo poderia haver uma istração maior para arbitragem entre elas, sem nenhum poder de istração direta. O que não faz sentido é afastar o eleitor do seu representante ao ponto de ser improvável que eles jamais se tenham visto. De o suposto representante ser apenas um personagem visto na tevê.
Isto é necessário para as funções istrativas e representativas de níveis mais altos, como o federal e o estadual, e é exatamente por isso que o poder atualmente nas mãos das istrações estaduais e federal deve ser devolvido a quem de direito: o município. O pequeno município, em que o representante e o representado podem se olhar no olho. Só assim pode haver uma política real e saudável neste país.