Isso é deboche com a nossa cara. 1p1q2h

Estratégia das tesouras e globalismo 3r5l55

Ao meu ver, a pessoa que melhor explica o cenário intelectual atual é Mathieu Bock-Côté. Em O multiculturalismo como religião política, ele diz que maio de 68 foi uma revolução cultural da elite contra o povo, que, no esgarçado vocabulário atual, é conservador. A elite decidiu que o povo não é mais a fonte de legitimidade da democracia, mas sim uma noção muito peculiar de “direitos humanos”. Esta noção é muito rígida e não está sujeita a discussão. Assim, cabe ao judiciário decidir o que é certo e errado. Se o povo discordar, tem que ser reeducado; se não quiser se reeducado, tem que ser punido. Como o Estado foi todo engolido pela burocracia, a eleição de “populistas” se torna inócua, já que a máquina impede o governo conforme aos anseios populares.

Tanto ele quanto Dugin e John Gray colocam Fukuyama como o escritor canônico desse novo utopismo. Seja como for, a estratégia das tesouras consiste em transformar a nova esquerda como lugar comum, rotular como “extrema direita” os egressos da velha esquerda, e aceitar uma direita “moderna” que se restrinja à defesa do mercado, sem tocar na História e nos valores. Com isso, planta-se uma falsa ideia de diversidade política. Um deputado francês chegara a dizer que “precisa haver pró-europeus e antieuropeus em cada campo. Se puséssemos os inteligentes juntos, um dia, com a alternância, os imbecis chegariam ao poder”. Tem-se aí a ideia de direita xucra por oposição à limpinha.

Com isso, a imprensa militante, junto com os progressistas, se empenham ao máximo para limitar a discussão pública, condenando a “polarização”. Nesse esquema, “a democracia contemporânea deve acolher o mínimo possível quaisquer debates sobre as questões que animam as paixões populares e políticas. […] sob vários aspectos, a comunicação política serve até para exacerbar as tensões midiáticas em torno dessas diferenças menores” (p. 252). Noutras palavras, o país discute ad nauseam pronome neutro em vez de encarar problemas urgentes como a legislação pró-bandido, por exemplo. Mas qualquer queixa contra a bandidolatria logo é tachada como “barbárie” etc.

“Se o populismo ganha penetração nas sociedades ocidentais, é também porque corresponde a um desejo de polarização política num sistema político a tal ponto consensual que acaba por sufocar a vitalidade democrática. Se o conflito numa comunidade política não é instituído entre duas facções na elite e entre correntes políticas que se reconhecem como legítimas, ele necessariamente tomará forma, por assim dizer, entre as elites e o povo” (p. 254).

Estamos polarizados, devemos continuar polarizados até que essa palhaçada acabe. Por isso mesmo, essa pauta que os petistas pariram deve interessar só a eles e aos limpinhos. Quanto ao resto do povo, que falemos de fertilizante, de aborto, de direitos dos manos, de ativismo judicial. E o que mais der na telha.