Kast que, em 2018, visitou o presidente Bolsonaro no Rio de Janeiro, antes do segundo turno das eleições brasileiras, construiu desde a sua derrota em 2017 nas eleições chilenas vencidas por Piñera, um caminho baseado em pautas ultraconservadoras e antidemocráticas. Achava, até então, que o seu radicalismo e disposição de romper com o sistema político lhe daria as condições de atrair multidões que conformariam a maioria da sociedade chilena. Ledo engano. E isso ficou patente com o desenrolar da campanha presidencial de 2021. Seu radicalismo não o cacifou nem para ser o candidato de Piñera na “primeira vuelta”, tendo-o somente, discretamente, na segunda. Ficou bastante claro que suas teses radicais, dando pouco valor a princípios do Estado Democrático de Direito, não encontravam esteio na maioria da população chilena. Por exemplo, seu apoio incondicional e sem críticas à ditadura de Pinochet, seu desapego à defesa das liberdades civis fundamentais, sua postura de manutenção do status quo do sistema econômico e social chileno, que resultou na grave crise social de 2019, sua visão machista de desprezo a participação da mulher na vida pública, sua insensibilidade com temas humanitários como o da migração, do estado de vulnerabilidade das populações dos chamados “pueblos originários”, levaram-no à derrota. Conversando com representantes conservadores do mundo político chileno, muitos me dizem que, na verdade, uma parte importante dos que votaram em Boric o fizeram como uma espécie de não-voto no que Kast representa numa democracia. 34235

Mas e os evangélicos chilenos? Estima-se que entre 60% e 70% dos evangélicos naufragaram na barca do radicalismo de Kast. Na “primeira vuelta”, o candidato do presidente Piñera, Sebastián Sichel, representando os movimentos de centro-direita, teve pouca adesão dos evangélicos pentecostais e neopentecostais. Esses, apostaram em Kast, e venceram, levando-o para o segundo turno. Mas analisaram mal, não percebendo que a maioria da população chilena atual rechaça veementemente as ideias radicais e antidemocráticas de Kast (e olha que o discurso do candidato chileno sobre o enfrentamento da pandemia era totalmente contrário ao do bolsonarismo). E por isso, o jovem Gabriel Boric, uma espécie de Marcelo Freixo da nova esquerda chilena, ganhou as eleições de bandeja com uma vantagem significativa.

Muitas lições podemos retirar da campanha presidencial do Chile. Uma delas é que ser cerca de 20% da população não é o bastante para construir uma maioria presidencial para ganhar as eleições. No Brasil, estima-se que os evangélicos são cerca de 30%. Número que nos faz grandes e importantes. Mas, tal como no Chile, não é o bastante para fazermos um presidente da República. Por isso, mutatis mutandis, se na eleição presidencial de 2022, os evangélicos seguirem na barca radical do bolsonarismo, o destino tende a ser o mesmo, sobretudo porque as últimas pesquisas indicam um índice constante de reprovação do Governo Bolsonaro acima dos 50% e um índice de rejeição, como pré-candidato, beirando os 60%, o maior entre todos os pré-presidenciáveis.

A aliança que os evangélicos devem buscar para 2022 deve ser uma aliança de valores e princípios, que contenha uma pauta além da agenda de costumes, contemplando as necessidades básicas do povo, em especial dos mais vulneráveis – o pobre, o órfão, a viúva e o estrangeiro, na linguagem bíblica –, mas que também seja pragmática, pensando em vencer as eleições, especialmente, no segundo turno, porque o inimigo a ser batido tem a sagacidade de uma serpente, uma jararaca, como certa feita afirmou. As lições do Chile soam como verdadeira profecia para os evangélicos em 2022.

* Uziel Santana é coordenador da campanha de Sergio Moro (Podemos) junto aos evangélicos. É advogado, professor da Universidade Federal de Sergipe e fundador da ANAJURE.