O advogado constitucionalista André Marsiglia Santos, especializado na defesa da liberdade de imprensa, considera que, com decisões do tipo, de retirar do ar reportagens ou postagens de veículos de comunicação, o TSE tem interferido no processo eleitoral. 6g3no
“Esse caso pode ser avaliado em conjunto com um posicionamento do TSE que tem se tornado recorrente. Que é o de entender eventuais imprecisões técnico-jurídicas de uma matéria, ou um apelo na notícia, algo normal e que faz parte do fazer jornalístico, como algo sabidamente inverídico. Isso tem servido para retirar matérias do ar e promover censura, sob a justificativa de não haver interferência nas eleições. Mas o que eles estão fazendo são interferências”, disse. “O que é para ser banido é aquilo que não se pode contestar de forma alguma, uma matéria inteira, não um trechinho ou uma imprecisão. Se há um trecho impreciso, e a matéria sai do ar, 90% que é verídico é censurado”, afirma.
Outro problema, diz ele, é que muitas decisões têm como base conteúdos publicados por agências de checagem. “(As agências) não têm função pública e não são um instituto totalmente imível de erro. Basear em cima disso é perigoso.” Por fim, ele observa que algumas campanhas têm pedido ao TSE o banimento de conteúdos jornalísticos junto com postagens de apoiadores de candidatos. “É uma estratégia de descredibilizar imprensa que tem de ser rechaçada”, afirmou.
A liminar de Sanseverino apresenta como precedente outra decisão, proferida em setembro pela ministra Cármen Lúcia, na qual ela determinava a remoção de uma postagem de Eduardo Bolsonaro em que ele escreveu que “Lula e PT apoiam invasões de igreja e perseguição de cristãos”. A coligação de Lula apontou “propagação de fake news” e a ministra concordou. Afirmou que as postagens de Eduardo configuravam propaganda eleitoral negativa e ofensa à honra do candidato representante [Lula] e do partido ao qual é filiado [PT].”
“Não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é mensagem ofensiva à honra e imagem de pré-candidato à presidência da República, com divulgação desinformação sabidamente inverídica”, escreveu ministra. No dia 13 de setembro, a decisão foi referendada por unanimidade pelos outros seis ministros que julgaram o caso: Alexandre de Moraes (presidente do TSE), Ricardo Lewandowski, Benedito Gonçalves (corregedor da Justiça Eleitoral), Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
É antiga e conhecida a proximidade de Lula com Ortega, que governa a Nicarágua desde 2007. Em 2010, quando era presidente, o petista disse, em tom de brincadeira, que os dois integravam o “eixo do mal”. “Onde vai ser publicada essa foto, [Ricardo] Stuckert?”, perguntou Lula ao fotógrafo oficial da Presidência, enquanto apertava a mão de Ortega, durante uma cerimônia no Itamaraty. “Vai ter uma pequena manchetezinha: ‘el goviernantes del eixo del mal se encuentran’”, ironizou Lula.
Em 2018, quando Ortega promoveu uma repressão a opositores que resultou na morte de mais de 360 pessoas, o PT deu respaldo ao regime, durante um encontro do Foro de São Paulo em Havana. “Depois de tantos sucessos, sofremos uma contraofensiva neoliberal, imperialista, multifacetada, com guerra econômica, mediática, golpes judiciais e parlamentares, como ocorre na Nicarágua e ocorreu na Venezuela”, disse, durante o encontro, Mônica Valente, dirigente do PT e então secretária-executiva da organização de esquerda.
Participaram do encontro, em julho daquele ano, a ex-presidente Dilma Rousseff e o então presidente da Bolívia, Evo Morales, e o da Venezuela, Nicolás Maduro.
Em 2020, quando o Foro de São Paulo completou 30 anos, num debate online com a presença de Maduro e do líder cubano Miguel Díaz-Canel, Ortega, ao lado da mulher, Rosario Murillo, mandou “nosso abraço e nosso carinho para Lula, que está no nosso coração”. Lula é presidente de honra do PT e fundou o Foro de São Paulo em 1990, junto com Fidel Castro.
No fim do ano ado, o apoio do PT ao regime de Ortega novamente chamou a atenção da comunidade internacional. No dia 8 de novembro, o partido divulgou uma nota celebrando a eleição que deu a Ortega seu quarto mandato consecutivo. Na disputa, os outros cinco candidatos estavam presos ou exilados e três partidos de oposição foram cassados. A Organização dos Estados Americanos (OEA) classificou a eleição como “ilegítima”.
Em seu site, no entanto, o PT classificou a eleição na Nicarágua como “uma grande manifestação popular e democrática” e que o resultado demonstrava “o apoio da população a um projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário”.
Dois dias depois, a nota foi retirada do site do partido. À época, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que a nota “não foi submetida à direção partidária”. “Posição do PT em relação a qualquer país é defesa da autodeterminação dos povos, contra interferência externa e respeito à democracia, por parte de governo e oposição. Nossa prioridade é debater o Brasil com o povo brasileiro”, escreveu ela nas redes sociais.
Ainda em novembro de 2021, numa entrevista ao jornal espanhol El País, Lula minimizou a ditadura na Nicarágua e comparou Ortega à então chanceler da Alemanha, Angela Merkel. “Temos que defender a autodeterminação dos povos. Sabe, eu não posso ficar torcendo. Por que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Por que Felipe González aqui [na Espanha] pode ficar 14 anos no poder? Qual é a lógica?”, disse o petista.
Quando a entrevistadora disse que Merkel e Gonzalez não mandavam prender opositores, como Ortega, Lula tentou se corrigir. “Eu não posso julgar o que aconteceu na Nicarágua. No Brasil, eu fui preso [...] Eu não sei o que as pessoas fizeram para ser presas [...] Se o Daniel Ortega prendeu oposição para não disputar eleição, como fizeram contra mim, ele está totalmente errado”, afirmou o ex-presidente.
Nesta terça (4), Ortega enviou uma carta a Lula parabenizando-o pela votação no primeiro turno das eleições. “Este primeiro momento de triunfo para as famílias e o povo do Brasil, que se levantam com esperança e as vozes de gigantes, anima e alenta a tod@s nós. Parabenizando você e o Brasil, nos congratulamos sabendo que o mundo pertence a quem luta e que estamos realizando as transformações necessárias, com coragem diária”, diz o texto.