Em entrevista concedida por escrito, a deputada explica: “Não existe qualquer justificativa, do ponto de vista gramatical, para a adoção do chamado ‘gênero neutro’, tão contrário à índole da língua portuguesa. As supostas vantagens sociais dessa mudança – como a ‘inclusão’ e a maior aceitação social dos transexuais e outros grupos – são apenas um pretexto (falso, diga-se de agem, pois arbitrariedades semelhantes costumam gerar apenas divisão e ódio) para um projeto de natureza ideológica que, se levado adiante, pode ameaçar a alfabetização e a formação intelectual e cognitiva de milhões de brasileiros”. 702512
Em resumo, afirma ela, “Lutar contra a famigerada ‘linguagem neutra’ é lutar contra o assassinato da nossa língua vernácula”. O projeto de lei cita casos de escolas que aderiram à linguagem neutra, desconsiderando o fato de que existem regras para o uso gramatical do idioma.
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“A língua portuguesa advém da latina”, explica Lara Brenner, professora de língua portuguesa e advogada licenciada. “Em latim, havia três gêneros: masculino, feminino e neutro. Para a formação do singular, tal idioma evoluiu para a abolição do -s em construções como cibus bonus (comida boa), que ou a ser cibu bonu (cibu é palavra masculina)”.
De outro lado, prossegue ela, “as palavras neutras, que geralmente terminavam em -m, evoluíram foneticamente até que o -m deixasse de ser pronunciado e, consequentemente, escrito. Assim, lillium pulchrum (lírio belo) ou para lilliu pulchru. Coincidentemente, portanto, uma palavra masculina, como cibu, adquiriu a mesma terminação de uma neutra, como ‘lilliu’. Essa coincidência ocorria tantas vezes na língua, que trouxe a percepção prática aos falantes de que a forma masculina já assumia função neutra”.
E a língua portuguesa herdou essa marca linguística. Como explica Brenner, “o final -u (lilliu, cibu) evoluiu para o final -o que conhecemos, por isso se diz hoje que o masculino também pode ser neutro. Assim, quando digo ‘meus alunos são agradáveis’, estou usando, em princípio, a acepção neutra de ‘alunos’. Sempre tivemos essa compreensão de maneira intuitiva”.
Ou seja: o gênero masculino, dada sua ausência de marca distintiva, é também o neutro. A única marca efetivamente distintiva de gênero em nosso idioma é a do feminino. “Se digo ‘boa noite a todas’, ‘as heroínas venceram a batalha’, sei que os grupos em questão são inteiramente femininos. Ou seja, se há algum privilégio de gênero em nosso idioma, ele recai sobre o feminino, cuja marcação não deixa margem para dúvida”.
Por isso, em geral, palavras como “judeu”, “cristão”, “juiz”, “promotor”, “coronel” não têm nenhuma marca masculina. É quando se adiciona o -a ao final, está identificado o feminino: judia, cristã, juíza, promotora, coronela.
Há os vocábulos que fogem dessa dinâmica, explica a professora: “Palavras como ‘testemunha’, ‘vítima’, ‘criança’ e ‘anjo’ têm apenas um gênero, independentemente de quem seja o referente. Já palavras como ‘motorista’ e ‘estudante’, embora não variem em si, trabalham com flexão de seus determinantes: o/a motorista, estudante belo/bela. Sem problemas, afinal intuitivamente deduzimos que se trata do gênero da palavra, não da pessoa”.