Apesar de todas as acusações de que somos alvo, como destruição cultural e destruição da Lei Rouanet, a realidade é que aplicamos o maior volume histórico de todos os tempos e, com isso, geramos quase um milhão de empregos.

Mas o real impacto não se trata da quantidade aplicada, mas para onde esse dinheiro está indo. Antes havia uma super concentração de recursos: apenas 10% das grandes empresas de produção cultural ficavam com 88% desse volume global de dinheiro, e com as mudanças que fizemos, saímos daquele eixo de clientelismo e monopólio e aplicamos justamente onde mais se precisava dentro desse eixo cultural.

Foram destinados recursos, por exemplo, em capacitação e profissionalização de pequenos artistas; restauro de patrimônios históricos e museus; e exposições, em especial de artistas iniciantes. Então acabamos modificando essa estrutura de que a Lei Rouanet existia para contemplar a elite artística e quem falava bem do governo. A consequência é que a Lei acabava sendo instrumentalizada como um mecanismo de compra de consciência. E a gente a entregou para o povo, entregamos para o eixo cultural de fato da nossa nação.

No início deste ano, entraram em vigor as novas regras para a Lei Rouanet com o objetivo de democratizar seus recursos. Como, na prática, essa verba está chegando mais para os artistas pequenos?

André Porciuncula: Eu não gosto do termo “democratizar”, acho que virou um clichê. Acabou que a palavra “democracia” hoje está na boca de dez em cada dez tiranetes de esquina. Acredito mais no termo “popularizar”, no sentido mais comum, de tornar algo do povo.

Esses mecanismos que entraram em vigor neste ano ajudaram bastante nesse processo de popularização. Diminuímos o cachê, por exemplo, porque 98% dos artistas não ganham um cachê de R$ 3 mil, e queremos atingir esses 98%, não aqueles 2% ou 1% que ganham mais de R$ 3 mil de cachê. Queremos alcançar justamente os artistas que precisam ter essa pequena ajuda de incentivo. Tem que ter em mente isso: é uma lei de incentivo, não é uma lei que visa sustentar uma elite artística. Ela visa incentivar a cultura nacional.

Quando digo que a cada R$ 1 milhão em patrocínio é preciso que 10% desse valor seja destinado a quem nunca usou a Lei, eu realmente popularizo a lei, pois se quebra o monopólio que existia dos grandes patrocinadores às grandes empresas culturais. Então força esses patrocinadores a investir para além da lógica de mercado – uma grande empresa obviamente quer pegar seu incentivo tributário e colocar nos grandes artistas, porque ela aplica ali a lógica de mercado, de retorno em marketing e propaganda.

Então essas mudanças começam a forçar essa descentralização, começam a popularizar a lei de fato, e acabam com alguns modelos de monopólio e oligopólio e de interferências indevidas no mercado.

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Como principal responsável pela distribuição de recursos da Lei Rouanet, o sr. foi acusado de dificultar a liberação de verbas para projetos culturais críticos ao governo Bolsonaro ou com temáticas de esquerda. Como o sr. enxerga essas críticas?

André Porciuncula: Isso é uma bobagem tremenda, é uma narrativa política. O que houve foi o inverso. O que fizemos foi despolitizar a Lei tirando ela do palanque político-ideológico.

O sujeito queria fazer um evento político com dinheiro da Lei Rouanet, mas nisso não cabe o uso de dinheiro público. Estavam mal acostumados a usar verba pública como palanque político-ideológico, e o que fizemos foi um trabalho de despolitizar e resgatar os alicerces culturais da Lei.

Todas as autorizações ou as negativas [aos pedidos de financiamento] se pautaram rigorosamente dentro dos aspectos que a lei determina. Então alguns pedidos foram bloqueados para alcançar esse processo de moralização dos investimentos.

E quanto às demais áreas de atuação da pasta, o que mais avançou durante a atual gestão?

André Porciuncula: Um feito que ou despercebido da mídia e da população em geral foi o processo de obtenção de licença do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, autarquia federal que responde pela preservação do patrimônio cultural brasileiro]. Para obter uma licença do Iphan antes, primeiramente, havia vários procedimentos de muita discricionariedade, e onde há excesso de discricionariedade, há espaço para corrupção. Então a ponta acabava tendo um poder muito grande de decisão sobre as licenças.

Em Salvador, por exemplo, que é uma cidade extremamente histórica, você não coloca um parafuso para a construção de um prédio sem a licença do Iphan. Antes, essas licenças duravam em média dois anos para se conseguir, e isso acabava criando espaços para agentes com más intenções criarem dificuldades para vender facilidades.

Nós tornamos o processo totalmente eletrônico – a licença saiu de dois anos para menos de 40 minutos. Isso foi um ganho extraordinário não só de tempo e custo para quem quer empreender, mas também em termos de moralização dos recursos públicos.

Houve também aplicação robusta no processo de restauro e resgate do parque histórico nacional, antes esquecido. Tivemos enfoque na estrutura museológica, e as exposições começaram a ser mais profissionais. A Biblioteca Nacional foi outro ponto importante, com clássicos antes esquecidos sendo resgatados e entregues. Disponibilizamos kindles [equipamentos de leitura digital] em escolas públicas de baixa renda em locais com os menores IDHs com clássicos literários disponíveis digitalmente para resgatar a leitura desses clássicos.

Também resgatamos a origem da Funarte, que antes era usada como um pequeno clubinho da elite artística, em especial pela profissionalização do pessoal do circo. Saímos do eixo dos grandes artistas e fomos para os artistas de rua, que são tão marginalizados.

Na Ancine [Agência Nacional do Cinema], lançamos quase R$ 2 bilhões em editais a partir da descentralização de recursos. Focamos em regionalização no Norte e Nordeste, saindo do eixo Sul e Sudeste. Criamos linhas de edital específicas de artistas iniciantes, e com isso a Ancine começou a sair daquela coisa de militância política para ir de fato para o investimento onde precisamos para desenvolver a economia do audiovisual.

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Desde o início da atual gestão, falou-se sobre a “caixa-preta” da Lei Rouanet. ados quatro anos, o que se sabe sobre o mau uso de recursos públicos da Cultura em gestões anteriores?

André Porciuncula: Sabemos que há um rombo: ao todo foram aplicados R$ 13 bilhões pelas antigas gestões sem nenhum tipo de controle. Dava-se o dinheiro e não se procurava sequer saber onde esse dinheiro foi aplicado, ou se os projetos foram, de fato, executados. Foi um total desperdício de verbas públicas, com aplicação aleatória de recursos sem comprovação dos investimentos.

Há uma auditoria em andamento, e ela vai continuar por um bom tempo, porque são muitos projetos. Temos mais de cinco milhões de páginas para auditar. Nossa estimativa é de que consigamos recuperar quase meio bilhão de reais ao erário.

No início do novo governo, os decretos editados pela atual gestão possivelmente serão todos revogados. Como o sr. avalia os possíveis impactos de uma nova gestão petista à frente da pasta?

André Porciuncula: Nossas mudanças falam por si só. Se tivessem sido negativas, não tinham gerado número recorde de empregos [na área da Cultura] no ano ado, nem teriam sido aplicados os maiores valores históricos de todos os tempos. Desfazer isso é retroceder ao que era a antiga cleptocracia que foi instalada na era petista.

[Uma nova gestão do PT] representa o criminoso voltando à cena do crime, como disse Geraldo Alckmin [em vídeo de 2018, antes da aliança com o petista]. Um exemplo disso é a escolhida pelo PT para comandar a pasta [Margareth Menezes, que deve R$ 1 milhão aos cofres públicos, incluindo ao próprio ministério da Cultura].

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