Além da conservação de vegetação nativa, seriam elegíveis para pagamento práticas como recuperação de áreas degradadas, proteção de fontes e mananciais de água, estocagem de carbono e conservação da biodiversidade. Na prática, com a efetivação da lei, o setor agropecuário aria a ser remunerado por um serviço até então prestado gratuitamente.
“A propriedade rural tem, por força de lei e também por força voluntária, uma prestação de serviço ambiental ampla. Uma vez que há uma reserva legal a qual o produtor protege, cerca, evita incêndio, impede caça, ele está tendo um custo para a manutenção desse serviço ecossistêmico”, diz Nelson Ananias, coordenador de sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). “Apenas com esse custo sendo reconhecido, ele poderia ser elegido como um serviço ambiental prestado”.
Ananias explica que, apesar da aprovação da lei pelo Congresso Nacional, questões importantes como a origem dos recursos a serem pagos, a mensuração do valor dos serviços ambientais e a ordem de priorização de quem irá receber os benefícios não foram definidos pelos parlamentares - e isso resultou em um vácuo quanto à concretização da lei.
“Como isso ficou em aberto na lei, ela está fazendo um ano e ainda não saiu do papel, porque não foram resolvidos devidamente esses gargalos. Agora precisa ar por uma discussão de regulamentação, para que se defina essas questões”, diz o coordenador de sustentabilidade da CNA.
Para ele, devido à eventual lentidão do poder público para remunerar os produtores, um dos principais pontos a serem contemplados nessa regulamentação está relacionado à atração do setor privado para aportar recursos para a preservação. “Não é só o poder público. Acho que o setor privado tem até mais potencial para isso. Mas as empresas têm que ter segurança jurídica de investir para ter retorno, por exemplo em melhora de imagem devido ao investimento em recuperação do meio ambiente. Essa questão é outra que ainda está pendente”, afirma Ananias.
De acordo com fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, o governo federal, além da incumbência de regulamentar a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, deve atuar na atração de recursos de fomento à preservação ambiental para que cheguem à ponta.
Há, no entanto, a necessidade de que estados e municípios se envolvam para que a lei saia do papel. A atuação desses entes seria por meio da captação de recursos e destinação de quantias próprias para a remuneração dos produtores e da elaboração de programas específicos para essa finalidade. Atualmente, existem poucos programas regionais em funcionamento que remuneram produtores rurais pela preservação ou recuperação de suas áreas.
Além disso, parte deles condiciona o pagamento a outras práticas conservacionistas, algumas delas responsáveis por limitar ainda mais as áreas disponíveis para produção agropecuária. Esse é o caso, por exemplo, de um programa lançado pelo governo do Mato Grosso, ainda em 2020, chamado Compensação Financeira para Produtores com Excedente de Reserva Legal (Conserv). O projeto remunera produtores que preservam áreas além daquelas determinadas pelo Código Florestal, ou seja, aqueles que reduziram ainda mais suas áreas produtivas.
Em paralelo ao andamento da Pagamento por Serviços Ambientais, fontes ouvidas pela Gazeta do Povo afirmam que o Senado terá um papel importante neste ano ao apreciar a proposta que estabelece a lei geral do licenciamento ambiental, aprovada na Câmara dos Deputados em maio do ano ado. Pelo texto aprovado, ficam dispensadas do licenciamento ambiental algumas atividades agropecuárias desde que a propriedade esteja regular no Cadastro Ambiental Rural (CAR), ou esteja em processo de regularização, ou ainda se houver firmado termo de compromisso para recompor vegetação suprimida ilegalmente.
Conforme explica o coordenador de sustentabilidade da CNA, mesmo as áreas de dentro da fazenda que são elegíveis para produção agropecuária só podem ser manejadas caso seja emitida a licença para a atividade, o que frequentemente demora um longo período e deixa o produtor rural impossibilitado de utilizar o terreno que é de sua propriedade. A aprovação da lei do licenciamento ambiental, portanto, destravaria o impedimento ao uso das áreas que não representam a reserva legal das propriedades.
“O produtor tem direito a desmatar 20% da sua propriedade dentro da Amazônia, mas não o é permitido se não tiver licença para trabalhar nessa área - que é de seu direito. Esse licenciamento costuma demorar anos e é burocrático, além de caro. Não é qualquer um que pode arcar com isso”, afirma Ananias. “Isso acaba levando a uma situação de irregularidade, porque o proprietário, apesar de ter o direito de desmatar naquela área, muitas vezes não consegue a licença, apesar de estar há anos aguardando, ou está irregular porque não dispõe de recursos para pagar pela licença”.
O projeto de lei, no entanto, é alvo de críticas de entidades ambientalistas, que defendem que a medida acabaria com o licenciamento ambiental no país. Recentemente, o Green Peace criou uma petição on-line a ser entregue ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), solicitando que a matéria não entre em pauta. “O texto proposto fragiliza e elimina a necessidade de medidas importantes para a segurança e a saúde da população e para a proteção das riquezas naturais do país”, cita trecho da petição.
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