Além disso, as estimativas que geralmente são feitas da arrecadação em potencial com a legalização das drogas são superestimadas e desconsideram o fato de que, com a legalização, a tendência é a queda do preço do produto, como de fato já aconteceu com a maconha, por exemplo, nos estados americanos do Colorado e Washington. 5a3s33
Estudo de 2010 da RAND Corporation, sobre os efeitos da legalização da maconha no orçamento do estado da Califórnia, indicou a possibilidade de queda do preço em torno de 80%, em decorrência da legalização.[4]
O Cato Institute, um think tank libertário pró-legalização, estimou que a legalização da maconha nos Estados Unidos traria uma receita de US$ 8,7 bilhões por ano, em arrecadação de impostos[5]. Por outro lado, um estudo do Colorado indicou a projeção de arrecadação de US$ 65 milhões por ano em impostos sobre a maconha[6], o que, numa projeção nacional, redundaria em US$ 3,4 bilhões ao ano. Mesmo essa segunda estimativa, mais conservadora, revelou-se exacerbada. Nos seis primeiros meses de legalização da maconha, o Colorado arrecadou US$ 12 milhões, não os esperados US$ 33,5 milhões.[7]
Eventual tentativa do Estado de contrabalancear a queda do preço com o aumento dos impostos, ademais, tende a incentivar o consumo no mercado ilegal, que certamente oferecerá o produto a custo menor (sem considerar a possibilidade de que um mercado ilegal se estabeleça não exclusivamente com base no preço mais baixo, mas também em qualidades diversas das drogas[8]). Essa é uma realidade recorrente em diversos países, inclusive no Brasil, verificada, por exemplo, em relação ao contrabando de cigarros. Analisaremos esse fenômeno com mais detalhes em outro texto, mas por ora é pertinente citar estudo publicado pelo British Medical Journal, que pesquisou o que aconteceu quando várias províncias canadenses impam a cobrança de imposto de US$ 3 por pacote de cigarros na década de 1990. O resultado foi o estabelecimento de um mercado ilegal de cigarros não tributados, incentivado pelo contrabando. A demanda por cigarros não tributados de menor custo logo resultou em 30% de todas as vendas de cigarros que ocorreram no mercado ilegal.[9]
O argumento de suficiência da arrecadação de tributos decorrentes da legalização desconsidera também a sonegação de impostos, fenômeno recorrente. Um estudo americano estima que um a cada dez cigarros adquiridos no país em 2000 o foi com evasão do pagamento de impostos.[10] Outro levantamento americano indicou que os estados com os maiores impostos sobre o consumo de cada embalagem ou caixa de cigarros também experimentaram as maiores taxas de evasão fiscal.[11] A sonegação de impostos em produtos altamente taxados é uma realidade brasileira, gerando bilhões de prejuízo ao Estado, além de estimular outros mercados ilícitos, como a corrupção de agentes públicos dos órgãos fazendários e até mesmo do Judiciário.[12]
Como já afirmamos em textos anteriores, a experiência com as drogas lícitas tem muito a nos ensinar sobre a legalização, e os fatos acima revelam uma faceta desse fenômeno que deve ser sopesada, para que se avalie corretamente quais serão as consequências da legalização das drogas, relativamente à arrecadação de impostos e o respectivo impacto no combalido orçamento público brasileiro.
Outro aspecto que não é mencionado quando o argumento é trazido à baila é o fato de que a receita com impostos advinda da taxação das drogas não será empregada exclusivamente nas despesas de tratamento e prevenção. Com efeito, para a legalização das drogas, o Estado precisará estabelecer regulação específica, com a correlata necessidade de organização do aparato estatal para tornar efetiva a fiscalização desta regulação, o que, por óbvio implica em custos. Isso tenderá a aumentar o caráter deficitário da relação arrecadação-despesas, já demonstrada.
A única conclusão possível, face ao que foi mencionado, é a de que a legalização não beneficiará o Estado ou a sociedade, mas, ao contrário, trará ganhos financeiros exclusivamente aos executivos do ramo. Os custos serão socializados e os ganhos, mantidos s a poucos. Não por acaso, o lobby da maconha gasta vultosas quantias de recursos para incentivar a legalização das drogas.
Por fim, é preciso deixar claro que o mercado das drogas não é a “mina de ouro” que vem sendo propagada pelos defensores da legalização. Trata-se de um mercado altamente regulado, o que implica em barreiras de entrada para novos players e tende a favorecer as grandes companhias do setor de tabaco, bebidas e alimentação, que já estão bem posicionadas na cadeia produtiva e de distribuição.
Além disso, os lucros esperados não têm se mostrado tão atrativos quanto propalado, evidenciando dificuldades para aqueles que conseguiram se inserir no negócio. A empresa Canopy Growth, canadense produtora de maconha, por exemplo, experimentou uma rápida ascensão no preço de suas ações, logo que os ativos foram lançados na Bolsa de Valores de Nova York. Alguns meses após, entretanto, a queda foi vertiginosa. Os lucros da empresa também vêm tendo seguidas quedas, ano a ano, como demonstram dados de 2018 a 2020, não obstante os executivos mantenham promessas de dias melhores.[13]
Outra gigante do mercado da cannabis, Aurora Cannabis Inc., segundo números de setembro de 2020, teve prejuízos de mais de C$ 3,3 bilhões (cerca de US$ 2,5 bilhões) em seu ano fiscal então recém-concluído, e previu vendas mais baixas do que o esperado no início de seu ano fiscal em curso, o que levou a uma queda de 10% nas ações. Scott Greiper, presidente da Viridian Capital Advisors, corrobora a percepção, afirmou que "a mania em torno da 'legalização da maconha' e o consequente acolhimento do mercado de ações relacionado à cannabis, que impulsionou avaliações insustentáveis, está voltando a uma abordagem baseada em fundamentos para investidores e adquirentes".
O mercado decorrente da legalização das drogas, portanto, vendido a preço de ouro pelos seus defensores, não tem todo esse brilho. Além disso, os supostos benefícios econômicos da legalização têm diversos pontos negativos, que reafirmam uma equação desvantajosa para o Estado e para a sociedade. Nem tudo que reluz é ouro...
* Lucas Gualtieri é Procurador da República. Ex-membro auxiliar do Procurador-Geral da República na Secretaria da Função Penal Originária no Supremo Tribunal Federal (2018). Membro Auxiliar da Procuradoria-Geral da República na Assessoria Jurídica Criminal no Superior Tribunal de Justiça. Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público Federal em Minas Gerais. Pós-Graduado em Controle, Detecção e Repressão a Desvios de Recursos Públicos (UFLA); Pós-Graduado em Direito Público (UNIDERP). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais.