
Para Leonardo Barreto, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), o ativismo judicial de parte dos ministros, bem como sua interferência em outros poderes, deriva de uma concentração de poder desproporcional reservada pela própria Constituição Federal aos integrantes da Corte. Como resultado, aponta ele, o Supremo ou a ser o árbitro de todo tipo de disputas no campo político, ocasionalmente alcançando questões que deveriam ser decididas por outros poderes.
“É uma quantidade de poder absurda que é incompatível com qualquer perspectiva de um país republicano. Essa concentração de poder creio que não tem paralelo no mundo ocidental democrático. O STF virou um ente inimputável, e isso é a antítese do que o Republicanismo coloca”, afirma.
A conduta de parte dos ministros tem motivado reações diversas por parte de representantes do Executivo, Legislativo e da sociedade em geral. A Gazeta do Povo levantou iniciativas que estão em curso para tentar coibir os excessos do Supremo. Conheça algumas delas:
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A proposta mais recente sobre o tema foi o Projeto de Lei (PL) 658/22, apresentado em março pelo deputado Paulo Martins (PL-PR). O texto estabelece nova hipótese de crime de responsabilidade para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, ou manifestar juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais ou sobre as atividades dos outros Poderes da República.
De acordo com o autor da proposta, o objetivo da matéria é preservar a necessária imparcialidade do Supremo. “A ideia é fazer com que os ministros não sejam elementos de tensão social, porque quando eles falam fora dos autos, em ativismo político ou mesmo sobre algum processo que esteja em pauta, eles estão expondo a Corte a discordâncias da população sobre tais votos, e isso gera instabilidade”, diz Martins.
Sobre as frequentes declarações polêmicas de ministros, o parlamentar afirma que “não há no mundo um caso em que ministros da Suprema Corte sejam atores do debate político diário como é no Brasil”. “Todo dia declarações de ministros são manchete em jornais. Isso certamente não contribui para o resguardo da Constituição, para a pacificação social, política e institucional”, ressalta.
O projeto de lei aguarda apreciação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O texto, de autoria Luiza Erundina (Psol-SP), propõe a redução das competências do STF. O Supremo, que aria a ser chamado de Corte Constitucional, ficaria responsável apenas pelos julgamentos de causas exclusivamente relacionadas à interpretação e aplicação da Constituição Federal; todo o restante seria transferido para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dessa forma, o STF não julgaria mais, por exemplo, seus próprios ministros, o presidente da República e os membros do Congresso Nacional nas infrações penais comuns.
No novo parecer da proposta, elaborado em 2017 pela ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), a parlamentar cita que a pretensão do projeto é solucionar os “graves defeitos existentes na composição, organização e no âmbito da competência do Supremo Tribunal Federal”.
A proposta ficou sem ter avanços claros por um longo tempo, até que a deputada Bia Kicis (PL-DF), uma das principais aliadas de Bolsonaro no Congresso, decidiu retomar o projeto quando ainda era presidente da CCJ da Câmara. Para isso, ela designou o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) como relator do PL. O parecer do parlamentar ficou pronto ainda no ano ado, mas não foi pautado na comissão. Agora, seu avanço depende da reconfiguração da CCJ.
O PL 11.270/18, de autoria do deputado João Campos (Republicanos-GO), propõe coibir o ativismo judicial por meio da limitação a decisões monocráticas dos ministros do STF. O PL modifica as regras para a concessão de decisões tomadas por apenas um ministro nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) e nas arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
A título de exemplo – apesar de não se encaixar nas hipóteses alcançadas pela proposta – em outubro de 2020, uma decisão isolada do ex-ministro Marco Aurélio Mello concedeu liminar soltando o traficante internacional de drogas conhecido como André do Rap, ligado ao PCC e responsável por intermediar o envio de toneladas de drogas para Europa e África. Dias depois, em decisão colegiada, os ministros decidiram que o criminoso deveria ser preso novamente – naquela altura, André do Rap já havia fugido, e até hoje permanece foragido.
Apesar disso, há críticas ao projeto devido à possível redução da celeridade em determinados temas. A proposta está atualmente na CCJ da Câmara dos Deputados.
Na casa vizinha, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), junto com outros parlamentares, apresentou, em abril do ano ado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021. O texto impõe limites a pedidos de vista e decisões monocráticas em tribunais superiores.
Se aprovada a PEC, as decisões cautelares nos tribunais não poderão ser monocráticas nos casos de declaração de inconstitucionalidade ou suspensão de eficácia de lei ou ato normativo, como decretos. Matérias que couberem liminar exigirão o voto da maioria dos ministros, ou seja, no caso do STF, precisarão ser apreciadas pelo plenário. “Existe muito poder concentrado na mão de um único homem [ministro(a)]. É óbvio que isso é uma distorção, não pode funcionar assim”, diz o senador. O PL está atualmente na CCJ do Senado aguardando designação de relator.
A proposta da deputada Chris Tonietto (PL-RJ) limita a aplicação da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) por parte do Supremo. Hoje, temas que não estão em tramitação no Congresso podem ser levados ao STF, para que os ministros “legislem” sob a justificativa da omissão dos parlamentares.
Um exemplo foi a decisão da Corte, em 2019, que determinou que fossem enquadradas condutas de homofobia e de transfobia na tipificação da Lei do Racismo até que o Congresso legislasse sobre o tema.
O projeto de lei aguarda entrada em votação na CCJ da Câmara.
O projeto, de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS) junto com outros congressistas, propõe mandato de dez anos para ministros do STF sem possibilidade de recondução ao cargo ao fim do período. Além disso, a escolha dos ministros seria feita pelo presidente da República a partir de uma lista tríplice elaborada por um colegiado.
A proposta contava com parecer positivo pelo relator, senador Antonio Anastasia (PSD-MG), e estava pronta para ser votada na CCJ do Senado. Anastasia, no entanto, devolveu a relatoria para assumir o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) e agora a proposta aguarda designação de novo relator.
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No início de abril, senadores coletaram s suficientes para levar ao plenário da casa legislativa a votação de um requerimento para convidar o ministro Alexandre de Moraes para um debate no Senado em relação aos sigilosos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, dos quais ele é relator.
A expectativa é de que os senadores possam questionar Moraes a respeito de diversas medidas, nas duas investigações, que são apontadas como ilegais pelos signatários do requerimento. Mas, para que a solicitação seja votada no plenário, ela terá de ser colocada em pauta pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o que não ocorreu até o momento.
Conforme apuração da reportagem, na atual legislatura foram feitos 22 pedidos de impeachment contra ministros do STF no Senado – casa que possui a competência constitucional de julgar os magistrados. Desses, 13 ainda estão ativos e o restante foi initido ou indeferido pela presidência da casa. O recordista em pedidos de impeachment é Alexandre de Moraes, alvo de nove petições. Em seguida estão Luís Roberto Barroso (7 pedidos), Gilmar Mendes e Dias Toffoli (5 cada um). Cármem Lúcia, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e Rosa Weber são alvo de dois pedidos cada.
Entre os peticionantes estão congressistas, partidos políticos, cidadãos comuns e até mesmo o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro. Apesar dos vários pedidos, são rasas as possibilidades de algum deles prosperar. Até hoje não houve nenhum caso de impeachment de ministro do STF.
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Em agosto de 2020, um grupo de 2.141 advogados enviou uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), sobre violações de direitos fundamentais, em especial do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa, por parte de ministros do STF. As violações alegadas alcançam diversos investigados nos inquéritos sigilosos conduzidos pelo Supremo. A denúncia aguarda análise de issibilidade por parte da CIDH.
Para representantes da defesa de investigados nos inquéritos sigilosos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem evitado agir nesses casos, mesmo sendo constantemente provocada. Após ser acionado pela defesa de Allan dos Santos, um dos investigados no “inquérito das fake news”, em maio de 2020, o Conselho Federal da entidade entrou com um habeas corpus para garantir à defesa o o aos autos. No pedido, destacou-se que a defesa já havia entrado com três petições para obter o o. Em agosto de 2020, o habeas corpus foi negado pelo Supremo – desde então, a OAB Nacional não agiu novamente em relação às supostas ilegalidades.
Recentemente a seccional de São Paulo da OAB (OAB-SP) recebeu uma denúncia da defesa de Santos e pediu esclarecimentos ao ministro Alexandre de Moraes, que ignorou os pedidos. Diante disso, a seccional pediu o agendamento de uma audiência com o ministro para tratar do caso – Moraes negou a solicitação.
Como consequência, o presidente da comissão da defesa de prerrogativas da OAB-SP, Luiz Fernando Pacheco, acionou a entidade nacional pedindo que entrasse no caso. No último dia 19, o presidente da Comissão Nacional de Defesa das OAB, Ricardo Ferreira Breier, informou à seccional paulista prestaria o apoio necessário para solucionar o que o presidente da comissão paulista definiu como “grave problema”.
No episódio mais recente, representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentaram agravo regimental ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (25), por causa das multas aplicadas ao advogado do deputado Daniel Silveira, Paulo César de Rodrigues Faria. O defensor do parlamentar foi multado em R$ 10 mil porque o ministro Alexandre de Moraes considerou que houve excesso de recursos protocolados na Corte e classificou-os como de má-fé.
Diante disso, a OAB afirmou que houve flagrante violação às prerrogativas profissionais de Faria e que a Constituição assegura o livre exercício da advocacia. “É, portanto, dever indeclinável do CFOAB atuar em juízo sempre que necessário para a garantia do respeito às prerrogativas da advocacia. Portanto, além de legalmente possível, a atuação, no caso, especificamente para requerer o afastamento das multas aplicadas ao advogado Paulo Faria, é salutar, recomendável e de interesse de toda a classe, porque envolvida discussão que transcende os limites dos interesses individuais das partes envolvidas na Ação Penal”, afirmou a OAB.
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