Os dados, coletados em 2019, revelam que 94,8% da população maior de idade (o equivalente a 150,8 milhões de pessoas) identificam-se como heterossexuais, enquanto 1,2% (ou 1,8 milhão) declaram-se homossexuais; já 0,7% (1,1 milhão) declara-se bissexual. r3s14

Os números oficiais divergem substancialmente das estimativas do principal órgão representativo LGBT do Brasil e da América Latina, que reúne mais de 300 entidades de todo o país. Há vários anos, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) projeta número superior a 18 milhões de homossexuais e bissexuais no Brasil – a estimativa atualizada da associação já estima mais de 20 milhões, o equivalente a sete vezes os números oficiais do IBGE.

Como até então não havia dados oficiais sobre o quantitativo da população LGBT do país, os números da ABGLT foram usados como referência por vários anos em debates para a formulação de políticas públicas diversas, projetos de lei e até mesmo em decisões judiciais. A título de exemplo, o Senado Federal e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já replicaram as estimativas da associação em seus sites oficiais.

A ABGLT possui, historicamente, forte trânsito entre os três poderes em Brasília e conta com assento no Fórum Nacional de Educação. Em 2009, ganhou status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social (Ecosoc) das Nações Unidas. Em outubro do ano ado, a entidade entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar o uso das palavras “pai” e "mãe” em formulários, registros de nascimento, carteiras de identidade e outros documentos públicos no Brasil.

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Os números do levantamento do IBGE são semelhantes aos de outros países. Enquanto na Colômbia, por exemplo, 1,2% da população se autodeclara homossexual ou bissexual, no Chile essa proporção chega a 1,8% – o mesmo quantitativo brasileiro. Nos Estados Unidos, a população LGBT é de 2,9%; já no Canadá, 3,3%. Os números estimados pela ABGLT projetam o Brasil a um patamar muito acima da média mundial, com 10% da população se declarando homossexual ou bissexual.

Após a divulgação do levantamento do IBGE, diversas organizações LGBT aram a questionar os dados alegando subnotificação dos números devido ao preconceito. O próprio IBGE apontou tal possibilidade, entendendo que parte dos consultados pode não ter se sentido à vontade para declarar a própria orientação como não-heterossexual.

No entanto, ao levar ao pé da letra um estudo da startup TODXS Brasil, organização sem fins lucrativos focada na inclusão LGBT, que menciona que apenas 52% da população LGBT do Brasil assume publicamente sua orientação sexual, o total da população homossexual e bissexual seria de 5,6 milhões, pouco mais de um quarto dos números divulgados pela ABGLT.

A reportagem pediu esclarecimentos à associação sobre a metodologia de pesquisa utilizada e os motivos para a disparidade com os números oficiais. Não houve retorno até o fechamento da reportagem.

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Assim como o levantamento demográfico, que até então não existia, também não há dados oficiais sobre violência especificamente contra a população LGBT do país. Na ausência de dados confiáveis, há anos entidades aram a especular estimativas, que também são alvo de questionamentos por possíveis imprecisões.

Existe ao menos quatro levantamentos estatísticos sobre a violência contra LGBT no Brasil. O mais tradicional deles é produzido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) há mais de 40 anos. Produzido anualmente em parceria com a Aliança Nacional LGBTI+, ele é divulgado, principalmente pela imprensa, com grande destaque. O estudo, porém, não a de um clipping de notícias, interpretadas pelos membros do GGB e transformadas em uma lista.

Em 2019, um grupo de pesquisadores se debruçou sobre a origem dos dados que dão sustentação às conclusões e constatou que apenas 9% (ou 31) dos 347 casos citados no estudo anual referente a 2016 estão relacionados à violência por motivações homofóbicas.

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“Descobrimos que o banco de dados de vítimas da homofobia em 2016 no Brasil do GGB sofre de graves problemas de rigor”, citam os pesquisadores. “Apesar de o relatório se referir ao Brasil, estão incluídos seis casos de mortes no exterior. Há alguns casos duplicados. Em alguns casos descobrimos uma leitura incompleta do relato jornalístico: por exemplo, um casal heterossexual supostamente viciado em drogas foi assassinado por um traficante no Ceará. Aparentemente, o caso foi incluído pelo GGB somente porque a manchete omitiu o sexo da mulher, dando a entender erroneamente que poderia ser um casal gay”, prossegue o texto.

A replicação massiva dos dados do Grupo Gay da Bahia fez com que fossem fixadas narrativas como, por exemplo, a de que o Brasil é o país que mais mata gays, lésbicas e travestis no mundo, ou que a cada 19 horas um LGBT é assassinado ou comete suicídio no país. Os números imprecisos não foram utilizados apenas por setores da imprensa: órgãos nacionais e internacionais, como a Anistia Internacional e a ONU, acadêmicos e até mesmo ministros do STF já trataram os dados como “oficiais”.

Baseando-se nos números inflados do Grupo Gay da Bahia, um site esportivo norte-americano chegou a alertar turistas estrangeiros a terem cuidado ao virem ao Brasil nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, pois “a violência anti-gay está aumentando no Brasil”.

Apesar disso, um estudo independente, da Asher & Lyric, mostra o contrário. A pesquisa, publicada em 2021, que avaliou os índices de segurança em viagens LGBT em 150 países, posicionou o Brasil na 15º posição entre os países mais seguros para viagens por parte desse público, à frente de nações como Alemanha, Nova Zelândia, Finlândia e Estados Unidos e logo atrás de Austrália, Dinamarca e França.