Nos últimos dias, dois novos exemplos surgiram. Durante uma conferência na Universidade de Harvard, os ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski deram declarações que parecem ter saído da boca de um parlamentar oposicionista.

Respondendo a uma pergunta da deputada Tabata Amaral (PSB-SP) sobre o risco de Jair Bolsonaro ganhar as eleições, na visão dela, em decorrência do uso de fake news, Barroso afirmou que “é preciso não supervalorizar o inimigo”: “Nós somos muito poderosos, nós somos a democracia, nós somos os poderes do bem”, disse ele. Já Lewandowski criticou diretamente a postura do governo federal durante a pandemia: “Essa atitude negacionista do governo federal foi responsável por um aumento exponencial do número de infectados e de mortos”, afirmou.

Já faz alguns anos que os ministros do STF resolveram abrir mão do perfil mais moderado e imparcial aos olhos do público: procurados pelas câmeras, muitos deles aram a opinar sobre tudo e todos. A maior transparência poderia até ser justificada como algo positivo, desde que eles se declarassem impedidos quando um alvo de seus comentários estivesse sendo julgado. Mas não é o que acontece. Barroso continua julgando Bolsonaro, assim como Toffoli, que foi advogado do Partido dos Trabalhadores (PT), não se exime de julgar políticos petistas.

Para Paulo Antonio Papini, professor universitário e mestre em Direto, o comportamento de Barroso e Lewandowski é condenável: “O que esses dois ministros fizeram é inapropriado em vários níveis. Isso ultraou todo o limite da atividade deles. É uma aberração jurídica. É algo impensável ter um magistrado que expressa sua posição em relação ao réu previamente. Como se pode esperar imparcialidade desses dois ministros para julgar o presidente Bolsonaro?”, indaga ele.

Na opinião da advogada Isabela Bueno, presidente da Associação Nacional de Proteção da Advocacia e Cidadania (ANPAC), a falta de autocontrole por parte de alguns ministros do STF prejudica um dos fundamentos da própria Justiça. “Esses ministros deveriam ser agentes pacificadores, porque esse é o fim imediato da justiça: a busca da pacificação social. Quando se posicionam politicamente e partidariamente, como fez Barroso, acabam se distanciando do fim imediato buscado pela justiça e colaborando com a desordem”, diz ela.

Barroso - que mantém o próprio canal no YouTube - publicou recentemente o vídeo de uma palestra que deu a alunos da Universidade do Estado do Texas em fevereiro. Lá, ele expõe seu raciocínio: na visão dele, a democracia está sob ataque no Brasil, e por isso os membros da Suprema Corte tem o dever de falar.

No início da palestra, sério, ele pergunta: “Isso está sendo gravado?”. Depois, em tom de piada, diz: “Eu ando com cinco guarda-costas. Dependendo do que eu disser, eu talvez precise de dez”.  Antes de iniciar um duro ataque a Bolsonaro, usando termos como “extrema-direita", “populista”, Barroso revela o porquê de suas declarações constantes: “Algumas vezes, infelizmente, juízes precisam falar abertamente no Brasil, porque esta é uma forma importante de proteger a democracia e as instituições. Idealmente, nós não deveríamos falar sobre isso. Mas, a essa altura, é simplesmente obrigatório falar abertamente”.

Na avaliação do advogado Aécio Flávio Palmeira, entretanto, o argumento de Barroso não se sustenta. “Os princípios e garantias fundamentais existem no texto constitucional como cláusulas pétreas contra os desmandos do Estado e para a proteção do cidadão. Um juiz não pode se manifestar pública e internacionalmente dizendo que o chefe do Poder Executivo da União é um ‘inimigo’, escancarando seu viés político e atuando junto aos partidos de oposição ao governo”, afirma.

Outros países

As frequentes aparições dos ministros do STF na imprensa ou em eventos públicos - além da transmissão ao vivo de todas as sessões de julgamento - não são a regra em outros países. Em democracias mais consolidadas, as cortes constitucionais costumam ter um perfil mais discreto, sem prejudicar a transparência nas decisões. Caso um juiz dê sua opinião publicamente ou tenha interesses em algum caso, se declara suspeito automaticamente.

Na suprema corte americana, por exemplo, até 2020, o áudio das sessões era divulgado - ainda que os acórdãos sejam públicos. Era preciso ir presencialmente até o prédio da corte para acompanhar os debates. A norma só mudou por causa da pandemia, quando as reuniões aram a ser virtuais - e, ainda assim, as imagens dos debates continuam não sendo públicas. A propósito, a suprema corte americana não tem nem mesmo página nas redes sociais.

Em outros países, o trabalho da Suprema Corte é ainda menos midiático. A presidente da suprema corte alemã, Bettina Limperg, até concede entrevistas eventualmente. Mas ela se limita a temas que não vão afetar sua atuação no tribunal. O distanciamento não é apenas simbólico, mas físico: diferentemente do que acontece no Brasil, onde o STF está a poucos metros do Congresso e do Palácio do Planalto, a corte constitucional alemã fica em Karlsuhe, a 700 quilômetros da capital, Berlim.

Na Itália, país que carrega a herança do direito romano, não é possível saber nem mesmo o placar de uma decisão da corte constitucional: o público não fica sabendo se houve unanimidade ou não, somente os argumentos da decisão final. O princípio é o de que a corte precisa adotar uma postura pública decisiva. O que interessa é a instituição, não os membros individualmente.

A corte italiana mantém um perfil no Twitter, mas o número de seguidores é um indicativo do perfil discreto do tribunal: são cerca de 10.000 pessoas - o STF brasileiro há muito ultraou a marca de 2 milhões.

No tribunal italiano, as discussões são realizadas "com total ausência de publicidade", segundo a própria página da corte na internet. O site também explica que o tribunal não separa a opinião da maioria e da minoria. “Na Itália, até o momento, essa prática não foi aceita, prevalecendo a ideia tradicional de que a decisão judicial é única e impessoal, ainda que de fato possa resultar de um processo decisório colegiado em que nem todos os membros da corte concordaram”.

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