Diante desse cenário, um movimento formado por organizações não governamentais, ex-detentos e familiares de presos criaram a Agenda Nacional pelo Desencarceramento. O movimento defende que a única solução para resolver os problemas do sistema prisional, tanto no Brasil como no resto do mundo, é o fim das prisões por meio do desencarceramento em massa. “O poder público, sempre que apresenta um novo plano de segurança, insiste na construção de novas unidades prisionais e no discurso da humanização dos presídios. Essas medidas historicamente não funcionam: aumentar o número de prisões e vagas nunca diminuiu índices de violência, e não é possível humanizar um local que é feito para torturar sistematicamente as pessoas que estão presas”, cita um manifesto do movimento. 5x6q5p

Para especialistas em segurança pública consultados pela Gazeta do Povo, entretanto, o desencarceramento em massa é inviável para a realidade brasileira. “Não adianta falar em desencarceramento massivo se não houver uma estrutura que recoloque a pessoa na sociedade. Ela precisa de assistência educacional – aprender uma profissão enquanto estiver detido –, social e psicológica. Isso requer uma atenção do Estado”, explica Ricardo Ferreira Gennari, especialista em segurança pública. “Tendo a devida estrutura, a pessoa sai da cadeia com uma perspectiva de reintegração. Sem alternativas não adianta soltar; grande parte vai sair e voltar ao crime”.

De acordo com Luiz Fernando Ramos Aguiar, especialista em segurança pública e major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), colocar nas ruas pessoas condenadas por crimes violentos está diretamente relacionado a um aumento ainda maior da criminalidade. “O Brasil tem uma população carcerária realmente grande. Mas, proporcionalmente ao tamanho da população, estamos em 26º lugar. O problema não é prender muito; ao contrário: existem estudos que demonstram que em 90% dos homicídios não se chega à autoria desses crimes. De 100 homicídios, só se apreende dez pessoas. Muita gente que cometeu um crime sério ainda não foi punida”, afirma Aguiar.

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Um dos focos prioritários da Agenda Nacional pelo Desencarceramento é a soltura dos presos que ainda não foram julgados pela Justiça – dos 752,2 mil detentos no Brasil (de acordo com dados de 2019 do Departamento Penitenciário Nacional), 249 mil (33,1%) são provisórios, isto é, ainda não tiveram uma condenação judicial.

Mas os objetivos não param por aí: de acordo com Elaine da Paixão, uma das coordenadoras da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, a proposta central do movimento é de que as cadeias sejam esvaziadas e que não haja nenhuma pessoa presa no Brasil, independentemente do crime que seja cometido. “Nossa política é desencarceramento total, é tirar todas as pessoas da cadeia. Independentemente do crime que seja cometido, acreditamos que há outras medidas de punição que não são o encarceramento. Mesmo um estuprador não seria preso, ele vai ser punido de outros meios”, diz Elaine. “Uma pessoa que matou, tem que ver qual é o problema que ela tem, entender o que levou a isso e oferecer ajuda. São casos em que é preciso olhar o histórico dessa pessoa”.

A reportagem questionou a coordenadora sobre quais seriam as possíveis penas alternativas ao cárcere que o movimento propõe para pessoas que cometem crimes graves, porém ela afirmou não ter nenhuma medida concreta a ser proposta.

Há ainda outras proposições polêmicas feitas pelo movimento, como a descriminalização do uso e comércio de todas as drogas; a desmilitarização das polícias; a proibição de qualquer tipo de privatização do sistema prisional; e a “autonomia comunitária” para a resolução de conflitos sem a intervenção policial. Em suas redes sociais, a Agenda Nacional pelo Desencarceramento se manifesta com frequência pedindo o fim da polícia – uma sociedade sem nenhuma força policial é outra pauta do movimento.

De acordo com Aguiar, uma política baseada no desencarceramento massivo e em uma sociedade sem polícia é insustentável. “Vejo isso como uma insanidade. A defesa desse tipo de política vem da criminologia crítica – um ramo da criminologia que estuda o fenômeno criminal a partir da ótica marxista. Vê-se o criminoso como um elemento oprimido que precisa ser libertado, e o Estado como opressor dos criminosos. É uma visão extremamente ideológica e apartada da realidade”, cita o major da PMDF.