
Conforme explica Aécio Flávio Palmeira Fernandes, advogado especialista em Direito Constitucional, o artigo 5º da Constituição permite a manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação independentemente de censura ou licença, ao mesmo tempo em que estabelece o dever de reparação no caso de eventual transgressão ou exagero do exercício desse direito. b2t4a
“Se o legislador constituinte, ao estabelecer a liberdade de expressão também estabeleceu a posterior responsabilidade sobre essa comunicação, não cabe censura prévia. Isso é pacificado em qualquer norma constitucional de países que se dizem democráticos de direito, como é o caso do Brasil”, diz Fernandes.
“Até mesmo durante a vigência do estado de defesa, em que direitos sociais podem ser temporariamente suprimidos, ainda assim a incomunicabilidade do preso é vedada, para você ver a gravidade dessa medida”, ressalta, enfatizando que apesar da forma desrespeitosa e inadequada com que Daniel Silveira se expressou no vídeo, isso não anula seus direitos constitucionais.
Para Paulo Antônio Papini, professor de Direito e mestre em Processo Civil, a própria prisão do parlamentar por veiculação de críticas públicas aos ministros do Supremo seria inconstitucional conforme a previsão da imunidade parlamentar. O artigo 53 da Constituição diz que “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
“Com a emenda 35, o constituinte reforçou a palavra ‘quaisquer’. Em tese, ainda que isso possa ser inadequado, o deputado é livre até mesmo para proferir ofensas. Além disso, as medidas cautelares que proíbem a comunicação vão contra o próprio princípio da palavra ‘parlamentar’, que provém de ‘falar’”, aponta o jurista.
“O Lula deu mais de 20 entrevistas enquanto estava preso, o Sérgio Cabral também. Para não ficar só no âmbito político, o Fernandinho Beira-mar também deu entrevista cumprindo pena. Mas parece que o crime máximo no Brasil atualmente é ofender um ministro do Supremo”, prossegue.
Papini cita uma fala do próprio Alexandre de Moraes, em junho de 2018, em voto pela não proibição de sátiras de candidatos durante o período eleitoral, quando argumentou que as críticas são inerentes a ocupantes de cargos públicos. Na época, ele disse:
“Quem não quer ser criticado, quem não quer ser satirizado, fique em casa. Não seja candidato, não se ofereça ao público, não se ofereça para exercer cargos políticos. Essa é uma regra que existe desde que o mundo é mundo”, disse Moraes. “Querer evitar isso por meio de uma ilegítima intervenção estatal na liberdade de expressão é absolutamente inconstitucional”, assegurou.
No mesmo julgamento, ao citar que a proibição das sátiras equivaleria à censura prévia, a ministra Cármen Lúcia, também do STF, citou: “E a censura é a mordaça da liberdade. Quem gosta de mordaça é tirano. Quem gosta de censura é ditador”.
Para Isabela Bueno, advogada e presidente da Associação Nacional de Proteção da Advocacia e Cidadania (Anpac), uma vez que Daniel Silveira permanece em seu mandato como deputado federal, a medida ataca diretamente o exercício de sua função. Ela explica que no livro Curso de Direito Constitucional, do qual o ministro Gilmar Mendes é coautor, cita-se que “apurado que o acontecimento se inclui no âmbito da imunidade material, não cabe sequer indagar se o fato, objetivamente, poderia ser tido como crime”. “Ou seja, há total liberdade quanto às manifestações de parlamentares quando relacionadas a sua função”, diz Isabela.
No entendimento do STF, Daniel Silveira teria cometido crimes contra a honra do Poder Judiciário e dos ministros do Supremo, que estavam previstos na Lei de Segurança Nacional. A lei, no entanto, foi revogada em setembro deste ano após votação pelo Congresso Nacional.
“Como a lei foi revogada, deve ser aplicado o instituto chamado abolitio criminis para situações como essa, em que a pessoa que está cumprindo pena por um tipo penal revogado. Ela deve ser absolvida, e o processo deve ser extinto. Tudo isso tem que ser obedecido pela lei, mas o Supremo mantém a investigação”, afirma Fernandes. Ele argumenta ainda que restrição à comunicação fere o artigo constitucional 220, que trata do direito à comunicação e veda todo tipo de censura.
Papini explica que o modelo de censura é tradicionalmente visto como “um general entrando na redação de um jornal e determinando o que pode e o que não pode ser publicado”. “Mas existem outras formas de censura. Uma delas é um juiz dizendo o que você pode ou não falar, ainda que previamente. Outra maneira é uma plataforma de vídeos excluir uma publicação porque não concorda com seu conteúdo ou um juiz mandar excluir um canal dentro de uma plataforma”, afirma o jurista.
Segundo ele, uma medida cautelar de proibição à comunicação só é legítima caso tal comunicação traga risco à investigação. No caso em questão, entretanto, não há apuração em andamento. A preocupação de Alexandre de Moraes, como explicitado em sua deliberação feita no dia 14 de novembro, é que o parlamentar mantenha publicamente críticas aos integrantes da Corte.