
Em termos práticos, além de inviabilizar a prática das abordagens, a medida abre caminho para que cidadãos flagrados com objetos comprovadamente ilícitos em abordagens policiais questionem a forma como a busca se deu para anular denúncias contra si. 6a2n2g
Para justificar seu voto, acompanhado de forma unânime pelos demais ministros, o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do caso, argumentou que um dos motivos para a decisão é a necessidade de evitar a repetição de práticas que “reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural”.
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Nos próximos dias, o deputado Subtenente Gonzaga apresentará um projeto de lei que determina a competência dos agentes de segurança para fazer as buscas pessoais como instrumento de policiamento preventivo. Em paralelo, o tema foi levado recentemente à mesa de discussões do novo Código de Processo Penal (P), que está em discussão na casa legislativa. O objetivo do parlamentar é que a nova redação do P elucide os desentendimentos sobre as abordagens policiais.
Confira a entrevista exclusiva da Gazeta do Povo com o deputado Subtenente Gonzaga sobre o tema:
Qual é a avaliação do senhor sobre a decisão do STJ que endureceu regras para abordagens policiais?
Deputado Subtenente Gonzaga: Eu acho que é um equívoco, porque só tende a alimentar a impunidade. A Constituição Federal diz que a prisão pode ocorrer em flagrante ou cumprindo mandado de prisão. Aí temos o Código de Processo Penal com a previsão legal de busca pessoal com mandado de busca e apreensão, em prisão em flagrante ou quando houver fundada suspeita. Durante muito tempo consolidou-se a tese de que a fundada suspeita cabe ao policial. O que essas decisões recentes vêm fazendo é dizer que o policial não tem esse arbítrio.
Isso tem consequências extremamente danosas, em primeiro lugar na eficácia do trabalho da polícia. Não existe hipótese de se fazer trabalho preventivo na segurança pública sem abordagem.
Então todo o conflito a por essa questão: o policial tem ou não o direito ao arbítrio da fundada suspeita? E se não o tiver pela lei, esse é o momento de se estabelecer esse direito. Se o policial for disputar a interpretação da lei, vai perder, porque já tem essa decisão do STJ. O que me cabe, no Parlamento, é tentar reconhecer a obrigação da busca pessoal em um trabalho preventivo, pois eu encaro as abordagens como uma obrigação na atividade policial.
Estamos propondo que a legislação reconheça que a busca, para além do instrumento de produção de prova, é também um instrumento de prevenção da criminalidade e da violência, e que o agente de estado constitucionalmente previsto para ter esse arbítrio é o policial.
Já foi apresentado um projeto de lei com essa proposta?
Deputado Subtenente Gonzaga: Eu usei primeiramente a estratégia de apresentar uma emenda ao projeto de lei do novo P, porque isso está sendo debatido agora. Mas estamos transformando esse mesmo texto em um projeto de lei específico, que deve ser protocolado nos próximos dias. A ideia é que esse projeto de lei tramite independente da emenda ao novo P.
A decisão do STJ cria uma série de procedimentos burocráticos para cada abordagem. Isso, na prática, acaba inviabilizando as buscas pessoais?
Deputado Subtenente Gonzaga: Cumprir essas exigências só é possível ao trabalhar com operações planejadas. No dia a dia do policial, que tem que abordar várias pessoas, é totalmente inviável. Vai causar muito mais transtorno do que garantir direitos. A garantia dos direitos está em uma abordagem em que se respeite o direito à dignidade da pessoa, e a polícia está preparada para isso.
O tribunal entendeu que haveria racismo estrutural por parte dos agentes de segurança nas abordagens. Falando de modo amplo, o senhor avalia que o racismo é uma realidade nas ações da polícia?
Deputado Subtenente Gonzaga: Na minha leitura, nós não podemos usar o racismo estrutural para impedir que o Estado atue. Se o policial cometeu crime de racismo, cabe ao Estado puni-lo por esse crime, e não criar um mecanismo de impunidade para o criminoso sob a premissa de que o racismo estrutural está prevalecendo nas abordagens.
Mas respondendo à sua pergunta, de uma perspectiva da doutrina das polícias militares, há um permanente combate ao racismo e às intolerâncias. Basta avocar os cadernos doutrinários de formação e capacitação dos policiais. Todos os nossos manuais são baseados nos fundamentos e nos tratados internacionais de Direitos Humanos e na Constituição Federal. As polícias também têm os cursos específicos de Direitos Humanos. Portanto ao considerar a formação e o treinamento dos policiais, esses episódios alimentam uma narrativa que não coincide com a realidade ampla.
Se ficar comprovado que em um determinado caso houve cometimento de abuso, a legislação está aí para punir o racismo, o abuso de autoridade, a tortura, o que for. Não falta legislação para punir o desvio e deve ser assim. Agora, essa precaução não pode levar o Estado a não agir, porque com isso se está alimentando o crime.
Qual é sua expectativa quanto a essa audiência pública sobre as abordagens?
Deputado Subtenente Gonzaga: Estou esperançoso para que tenhamos avanços. Propus a audiência pública porque até agora todo o debate que acompanhei sobre esse tema na Câmara foca em criar condicionantes para caracterizar a fundada suspeita. Mas toda essa tentativa cai numa frustração, porque a-se a discutir critérios como raça, vestimenta, tatuagem das pessoas em situações de abordagem.
Ou seja, há uma tentação de, ao tentar definir o que justificaria uma fundada suspeita, fugir de determinados estereótipos. E aí o que acontece: a busca pessoal que vier a acontecer a pessoas que figurem dentro de um determinado estereotipo geraria um crime pelo policial.
Então essa perspectiva de ver na abordagem um instrumento de prevenção e não somente de prova é um tema novo. Minha expectativa é que a gente dê um o concreto no debate das abordagens sob essa perspectiva, que tem a ver com reconhecer a competência da polícia para fazer a prevenção ao mesmo tempo em que se busca garantir que todo abuso será punido.
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