A instauração dessas audiências se fundamentou no art. 9º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e no art. 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”, cita o item referente ao tema, presente no Pacto de São José da Costa Rica.

A Resolução 213, do CNJ – publicada em dezembro de 2015 durante a gestão do ministro do STF Ricardo Lewandowski na presidência do órgão –, determinou que todos os estados do Brasil implantassem a medida. As audiências são válidas para qualquer espécie de crime - com exceção daqueles de menor potencial ofensivo, que não item prisão em flagrante -, desde que não tenha sido arbitrada fiança ao preso pela própria autoridade policial; situação em que ele não será apresentado em juízo.

Durante a audiência, haverá obrigatoriamente representantes do Ministério Público, além do advogado do autuado – ou a Defensoria Pública, caso o preso não tenha constituído advogado até o momento. Durante a sessão, é proibida a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação.

Segundo as diretrizes instituídas pelo CNJ, caberá ao juiz, dentre outras determinações, assegurar que o preso não esteja algemado, indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão; e perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde ou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a possível ocorrência de tortura e maus-tratos para adotar as providências cabíveis.

De acordo com o item 10 do art. 8º da Resolução do CNJ, o juiz também deverá ponderar sua decisão a partir de situações como gravidez ou existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos transtornos mentais e dependência química, assim como fazer o encaminhamento assistencial do autuado conforme o caso.

O juiz, por fim, deverá analisar a prisão sob o aspecto da legalidade e a regularidade do flagrante. Os possíveis desfechos são: concessão de liberdade plena; concessão da liberdade provisória com ou sem aplicação de medida cautelar diversa da prisão; decretação de prisão preventiva; ou, de acordo com a Resolução, “adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa”.

Para o juiz Giovani Augusto Serra Azul Guimarães, de Ribeirão Preto, que desde 2016 já realizou cerca de duas mil audiências de custódia, a medida é desnecessária, uma vez que os mecanismos constitucionais necessários para garantir a excepcionalidade da prisão provisória e apurar eventuais violações aos direitos da pessoa presa sempre existiram, mesmo antes do advento das audiências de custódia.

“Sempre houve análise judicial imediata da situação do preso em flagrante, isto é, se ele pode aguardar a investigação e o processo em liberdade ou não. E os mecanismos de apuração de eventuais desvios praticados excepcionalmente por agentes policiais sempre funcionaram, a exemplo da função correcional do Ministério Público, da atuação da Defensoria Pública e da OAB e das corregedorias das próprias polícias”, declara.

Para o magistrado, os principais problemas da medida estão relacionados à indução da falsa ideia de que, como regra, os agentes policiais cometem abusos durante a prisão de criminosos e ao significativo dispêndio de recursos materiais e humanos necessários à realização do ato, com transporte e escolta de presos. “Muitas vezes, esses presos são integrantes de organizações criminosas, e impõe-se à sociedade todo o prejuízo e insegurança decorrentes”.

Olavo Mendonça, especialista em segurança pública e major da Polícia Militar do Distrito Federal, endossa que o sistema criminal brasileiro já tem suas contramedidas a prisões violentas e arbitrárias. “Quando ocorre a prisão, a pessoa é levada à delegacia, fará o exame de corpo de delito e será ouvida. A identificação de problemas já era apurada nessa primeira fase”, afirma. “Quando se coloca mais um processo em que só se ouve somente o preso, o resultado é ter aumento da sensação de impunidade por parte dos criminosos. Muitas vezes, esses presos conseguem ser libertados usando o artifício de um suposto trato abusivo. Tem estados que soltam mais de 50% dos presos em flagrante”, aponta.

Para o juiz Augusto Bruno Mandelli, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que desde 2015 realiza audiências de custódia, a medida corresponde a um desvirtuamento do sistema de justiça.

“Todos os agentes públicos envolvidos na apuração do delito (policiais, delegados, promotores e juízes) aram a ser suspeitos da prática de abuso ou de excessos. A sociedade, que anseia por leis penais rigorosas ao combate da criminalidade, acaba por ter suas expectativas frustradas (...). A audiência de custódia, inserida nesse contexto, se não provoca ela mesma a impunidade, fortalece o discurso que visa vitimizar o criminoso, criminalizar os agentes de segurança e escravizar a população de bem, corrompendo o corpo social por dentro”.