Outro problema que ela aponta é a cláusula nona dos acordos, segundo a qual a confissão poderá ser usada pelo Poder Judiciário como “elemento informativo” mesmo em caso de rescisão. Para Siebra, há o temor de que, como as pessoas estão sendo condenadas por um crime de “multidão” – que dispensa a individualização da conduta –, a confissão de alguns de que teria ocorrido incitação a um golpe sirva para condenar outros que não fecharam o acordo. 1h2im
“Meu receio é a confissão ser usada para condenar outro que não fez acordo. Se partir do pressuposto que a pessoa estava associada, ela também cometeu crime. Se eu confesso, a outra pessoa também fez. Em meio a tantas ilegalidades, não me surpreenderia essa extensão”, afirma a advogada.
Para Bruno Jordano, que defende outra leva de réus, o acordo é muito penoso, considerando que dezenas de pessoas permaneceram presas de forma preventiva – portanto sem condenação – por mais tempo que ficariam na cadeia em caso de condenação. “Pelo tamanho da pena, elas nem poderiam ser submetidas a prisão preventiva, mas foram. Além disso, a multa torna o acordo ainda mais penoso”, diz.
Um dos primeiros a ter o acordo homologado, por exemplo, foi o policial militar de São Paulo Ademilson de Souza Lopes, de 52 anos. Assim que ele foi denunciado, no início do ano, a defesa pediu o acordo, mas a PGR descartou. Depois, quando o órgão aceitou, propôs a confissão e o pagamento de R$ 10 mil. Seus advogados protestaram e, numa contraproposta, disseram que a oferta inicial era “irrazoável, imponderada, punitiva”.
“As condições propostas são mais graves que qualquer pena a que o acusado possa legalmente, ser submetido, mesmo em caso de condenação, uma vez que, o réu, mesmo sem haver cometido qualquer crime, ou dois meses na prisão e segue com monitoramento eletrônico e outras medidas cautelares até o dia de hoje”, afirmou a defesa em setembro.
Argumentou que ele não deveria pagar qualquer reparação, porque, tendo permanecido no QG do Exército e não participando dos atos de vandalismo na praça dos Três Poderes, “em nada contribuiu para as depredações”. “Embora aposentado, é pai de 4 crianças e o único provedor familiar como já demonstrado anteriormente. Assim, não possui condições suficientes para arcar com o valor de R$ 10 mil, tampouco em uma única parcela”.
A única concessão feita pela PGR nesse caso foi dividir o valor em 10 parcelas mensais, “sem juros”.
O acordo de não persecução penal ainda diz que o cumprimento das exigências livra a pessoa do processo penal, mas não de processos cíveis, istrativos e por improbidade istrativa. O que implica que o valor a pagar pode ficar ainda maior.
Jordano entende que, de fato, não é razoável estender efeitos de um acordo penal para outras áreas. Mas, no caso dos réus do 8 de janeiro, seria correto que a União também oferecesse a eles a possibilidade de um acordo que não implique a responsabilização civil, ainda mais sem um processo que permita ampla defesa e contraditório.
Quanto ao acordo em si, o advogado avalia que é um “remédio muito amargo”.
“Essas pessoas que optam por fazer o acordo podem ter sentimento de injustiça, e isso pode se aguçar ao longo do tempo, mas é totalmente compreensível que estejam aderindo, porque vivem situação de excepcionalidade, cumprindo pena por crime que não cometeram, em que há probabilidade de condenação injusta. Os processos já são excepcionais. Há uma pressão psicológica para que as pessoas venham a anuir. Com o ar do tempo, podem sentir arrependimento. Mesmo porque, ainda que viessem a ser condenadas, a pena não chegaria a tempo tão elevado de prisão”, diz o advogado.
“Existe uma situação de desespero de familiares e de réus, que querem logo sair dessa condição. Primeiro que não concordaram em assumir o risco de estar ali. Saíram para uma finalidade, se manifestar, acabaram presas e submetidas a pena antecipada, sem que tivessem aderido àquela ideia criminosa. Ao serem submetidas a processo tão penoso, entraram em desespero, as pessoas e suas famílias não estavam preparadas, e daí o interesse em sair de imediato dessa situação. Já outras entendem que vivem uma ilegalidade, e não vão concordar com isso”, diz ele, referindo-se, por último, às que optaram por não aceitar o acordo.