Mas não só isso. No aspecto econômico, o gerenciamento mais rigoroso do conteúdo postado por usuários elevaria o custo com tecnologia e pessoal para analisar todo esse material de forma célere. Além disso, as plataformas poderiam perder usuários e anunciantes, seja pelo desinteresse numa rede mais limitada em termos de conteúdo, seja pelo risco de também serem banidos ou terem suas postagens, ainda que lícitas, constantemente suprimidas.
Um estudo publicado no ano ado pelo Insper estimou que as principais empresas do setor perderiam R$ 23 bilhões em valor de mercado e uma receita de R$ 47 milhões por ano. Os usuários também seriam atingidos, com perda de até R$ 4 bilhões. O cálculo levou em conta dados de faturamento no Brasil do Facebook, Instagram e YouTube.
Para chegar às cifras, os pesquisadores compararam o cenário de antes e depois de 2014, quando foi aprovado Marco Civil da Internet. Até então, bastava que a rede social recebesse uma notificação extrajudicial de qualquer pessoa, comunicando que determinada postagem seria ofensiva ou ilícita, para que a removesse, sob risco de que fosse condenada a indenizar a vítima junto com o autor da manifestação. Em muitos casos, a plataforma fazia isso mesmo que o conteúdo fosse lícito, por excesso de precaução, para não correr o risco de uma condenação. É isso que voltaria a ocorrer com a revisão do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
“Uma rede social que tem mil posts por minuto tem menos valor de mercado e menos utilidade para os usuários do que uma rede que tem 1 milhão de posts por minuto. Então, o volume de manifestação naquela rede importa. Mas se a rede social está ameaçada de arcar com um mal pior e mais caro do que a perda dos posts, que são as indenizações, vai ser obrigada a sacrificar o conteúdo. Antes do Marco Civil da Internet, a empresa não queria sair deletando tudo, mas seria pior se ela não fizesse e abrisse as portas para um ivo judicial cujo tamanho sequer conseguia dimensionar. Era o menor de dois males”, explica Ivar Hartmann, professor associado do Insper e um dos autores do estudo.
Para ele, o mais importante, contudo, não é o quanto a empresa da rede social deixou de lucrar, mas o quanto o serviço pioraria para o usuário. “Não sei se as pessoas vão deixar de usar ou usar menos a rede social, o fato é que vão estar usufruindo de um bem de qualidade muito inferior. E não é qualquer qualidade, um luxo, a gente está falando de liberdade de expressão muito inferior, que não é um luxo”, diz Hartmann.
O PL das Fake News diz que a plataforma poderá ser punida istrativamente se for notificada de conteúdos supostamente ilícitos e não exercer o dever de cuidado para removê-los. Não está claro, porém, como o STF vai impor a punição nesses casos, se a regra do Marco Civil da Internet for revista.
O problema, no entanto, não se restringe às Big Techs, que têm recursos, estrutura e pessoal para arcar com os custos. O advogado e professor da FGV Law Marcel Leonardi, que há mais de 20 anos tem como clientes empresas e investidores do setor de tecnologia, diz que a revisão do Marco Civil da Internet também pode impedir o surgimento e crescimento de novas iniciativas na economia digital.
“Quando o governo mira na regulação, é muito comum pensar só em grandes plataformas, porque é o que a gente está acostumado a usar. Hoje, a gente pode conhecer elas como grandes, mas um dia não foram. Havia um arcabouço normativo de 10 ou 20 anos atrás que foram úteis para que elas florescessem no Vale do Silício”, diz ele.
Leonardi cita um estudo da Associação Brasileira de Startups, segundo o qual, de 2015 até 2019, o número dessas empresas no país mais que triplicou, ando de 4.151 para 12.727, um salto de 207%.
Um dos fatores que contribuíram para essa expansão foi a regra do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que deu mais segurança jurídica para as novas empresas do ramo digital ao determinar a necessidade de ordem judicial para a responsabilização das plataformas e provedores de internet.
Isso foi importante, por exemplo, para plataformas que hospedam cursos online, como a Hotmart, por meio da qual qualquer pessoa pode oferecer treinamentos numa área que domina e vender esse conteúdo. A mesma regra possibilitou a existência de sites que reúnem críticas de consumidores a determinadas empresas, como o Reclame Aqui; ou críticas de clientes a comidas e restaurantes em aplicativos de delivery, como o Ifood, por exemplo.
O atual texto do PL das Fake News diz que as novas regras de moderação só valeriam para plataformas com mais de 10 milhões de usuários e não se aplicariam a provedores de comércio eletrônico. Mas há o temor de que isso venha a ser alterado na própria proposta ou depois. Restrições excessivas, diz Leonardi, tendem a levar usuários para serviços menos regulados no exterior. O mesmo tende a ocorrer com investidores, que podem preferir aportar recursos em startups de outros países.
O advogado Daniel Becker, que também atende empresas do ramo, diz que responsabilizar as plataformas por conteúdos de terceiros traz dois custos, um político e outro econômico.
“Sendo obrigadas a fazer censura prévia, as empresas vão controlar o conteúdo de forma muito mais rígida e isso vai fazer com que o grau de liberdade na sociedade diminua, o que vai ter um custo político e democrático muito grande para o país. E há o custo econômico, porque as plataformas proliferaram muito com o Marco Civil da Internet, que permitiu que as empresas intermediassem relações entre agentes, fossem econômicos, que é o caso de empresas de marketplace, ou sociais, que é o caso das redes sociais”, diz.
Alexander Coelho, advogado especializado em Direito Digital e Proteção de Dados, tem opinião semelhante. “As empresas que atuam no mercado digital precisam de um ambiente favorável para investir em novas tecnologias e desenvolver seus negócios. Se a regulamentação for excessivamente rígida ou mal elaborada, pode criar obstáculos desnecessários ao desenvolvimento das empresas, aumentando seus custos e dificultando a expansão de seus serviços", afirma.
Ele também pontua que a incerteza regulatória pode levar a uma redução nos investimentos em inovação, uma vez que as empresas podem optar por adotar uma "postura mais conservadora" nos investimentos e aguardar uma definição mais clara das regras antes de aportar em novas tecnologias.
André Marsiglia, advogado especializado em liberdade de expressão, entende que há impacto econômico tanto na ausência de legislação quanto no excesso de regulamentação.
“Uma regulação, como essa do PL das Fake News, feita com dubiedades, ambiguidades, e um Judiciário censório, cria uma insegurança jurídica e um ambiente hostil que impacta o mercado. Os aplicativos e plataformas ficam receosos de fincarem seus pés no país, com escritórios de forma robusta, de expandirem seus negócios, de fazerem parcerias duradouras, de investirem no mercado nacional”, conclui.
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