Ele sugere a Regina que não leve à mesa questões ligadas a segmentos específicos, como propostas a minorias, em um primeiro momento. “Ela precisa estabelecer um diálogo focado em política cultural mais geral para conseguir a maior unidade possível.” Mas como gerir democraticamente, por exemplo, os projetos cinematográficos viabilizados pela Ancine? Bolsonaro já manifestou que não autorizaria subsídios a filmes com “conteúdo pornográfico” como, segundo disse, o longa Bruna Surfistinha. Sá Leitão diz que, para isso, é preciso lembrar o presidente de que existe a Constituição. “Quando um presidente assume a Presidência do país, ele faz um juramento de respeito à Constituição. E a Constituição garante o respeito do poder público à liberdade de produção artística intelectual. Prefiro acreditar que Regina, com seu prestígio, vai fazê-lo entender isso.”

Juca Ferreira, ministro da Cultura por duas vezes – a primeira entre julho de 2008 e dezembro de 2010, no governo Lula; e a segunda, entre janeiro de 2015 e maio de 2016, no de Dilma Rousseff –, é menos otimista. “Regina vai ser mais do mesmo em um governo que monta mecanismos de censura na cultura. Ela possivelmente será menos desastrada que o antecessor Alvim, mas não será o suficiente.” Ele cita o Prêmio Nacional das Artes anunciado por Alvim no vídeo em que imitou o ministro nazista Joseph Goebbels e que lhe valeu a demissão do cargo, como uma “tentativa de manipulação da produção cultural”. Segundo informações da secretaria, caberá ao novo secretário reavaliar a continuidade do prêmio. O Ministério Público Federal já recomendou a anulação do projeto que prometia distribuir mais de R$ 20 milhões para produtores culturais que seriam escolhidos pela pasta – uma prática vista como dirigismo cultural pelos opositores. Para Juca, os artistas devem “continuar a fazer o que vêm fazendo”: “Produzindo muito, mesmo nessas condições, e resistindo sempre aos ímpetos autoritários.”

“Regina Duarte é a última chance de Jair Bolsonaro na Cultura”, diz o cientista político Francisco Weffort, ministro da gestão cultural de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002. Seu pensamento é em respeito a uma provável tentativa do governo de apaziguar a área com um quadro que aceite um convite para fazer parte de seu governo ao mesmo tempo em que conte com algum respeito profissional da classe. “Se ele perder Regina, vai ficar sem nada. E, nesse momento, é importante para o Bolsonaro que ele reconquiste ao menos parte da classe artística. É a última chance que tem para fazer isso.”

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Sua dica, então, é mais para Bolsonaro do que para Regina Duarte. “Ele deve dar liberdade para as ações de Regina, que o apoiou desde sempre. Regina, que tinha medo do Lula, mas não tem de Bolsonaro, tem esse jogo difícil pela frente.” Uma briga de duração tão longa com o setor artístico, visto também como importante propagador político, pode trazer prejuízos na próxima eleição, diz Weffort. “E, nesse momento, a economia ainda vai mal, não é nada brilhante. Ele precisa, então, se aproximar dos setores culturais pelo menos até o momento em que as coisas melhorem na economia.”

Marcelo Calero ou pela pasta por pouco menos de seis meses em 2016, convidado por Michel Temer. Depois de denunciar pressões para rever um parecer técnico desfavorável a interesses pessoais do então ministro-chefe da Secretaria de Governo do Brasil, Geddel Vieira Lima, ele pediu demissão. Calero deseja “toda sorte do mundo” à atriz. “E que seja um trabalho em consonância com a enorme densidade de sua história artística.” No entanto, segue Calero, “o que ela vai ter como desafio é, primeiro, o de marcar sua gestão dentro desse contexto Bolsonaro um contexto de profundo antagonismo com a área cultural”.

Calero se alinha a Sá Leitão na dimensão econômica dos projetos culturais, uma visão que também norteou os projetos da equipe de Gilberto Gil, líder da pasta entre 1.º de janeiro de 2003 e 30 de julho de 2008, durante a gestão Lula e que não quis falar com a reportagem. Ele apenas respondeu que o que tinha a dizer está na frase que distribuiu aos jornais há poucos dias: “Espero que a Regina veja a cultura do Brasil com os mesmos olhos com que eu e tantas outras pessoas vemos a bela figura dela”. Aposta no apaziguamento do setor e não dá palpites sobre política cultural, mesmo sendo algo que ajudou a transformar nos anos 2000. Marta Suplicy, ministra de Dilma entre 2012 e 2014, também não quis se pronunciar.

"A cultura deve ser vista como vetor social e econômico principalmente em um país tão diverso e com tanta riqueza de manifestações culturais, como é o caso do Brasil"

Marcelo Calero, ministro da Cultura em 2016, no governo Michel Temer.

Calero diz: “Sempre falo que a cultura deve ser vista como vetor social e econômico principalmente em um país tão diverso e com tanta riqueza de manifestações culturais, como é o caso do Brasil”. Ele faz um panorama rápido sobre a pasta: “Acho que a gestão Bolsonaro começa com uma visão muito profissional que foi dada pelo [secretário] Henrique Pires e, depois, no entanto, foi para esse viés cada vez mais ideológico”. A dica que Calero deixa a Regina é reverter todas as nomeações da área feitas por Alvim. “Se não conseguir reverter essas nomeações, já começa sua gestão de maneira totalmente enviesada. Estou falando da Casa de Rui Barbosa, da Funarte, da Ancine, da Fundação Palmares, obviamente, e da Biblioteca Nacional. A revisão dessas nomeações é fundamental para que a gente saiba se de fato essa gestão vai conseguir trazer algo de novidade em termos de relacionamento com o setor.”

Sá Leitão, questionado sobre o que faria se fosse Regina Duarte, deixa um esquema que, mesmo básico, segundo ele, daria o recado de que as coisas voltaram a caminhar. Ela precisaria, primeiro, fazer diagnóstico dos projetos em andamento. Depois, uma avaliação do que deve ou não ser mantido e, por fim, um planejamento. “É importante envolver o maior número de representantes da sociedade nesse processo. Congresso, entidades do setor, secretarias estaduais. É fazer isso e estabelecer as metas.”

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